sábado, 27 de março de 2010

Comentários à Resenha Crítica da Introdução e Capítulo Primeiro da obra “Os Bestializados” de José Murilo de Carvalho.

Alex Moura,

Aluísio Gomes

Gabrielle Lucena

Não é fácil analisar o trabalho de outras pessoas. Não podemos mensurar, numericamente, o quanto de empenho foi despendido por cada um. O quanto de superação foi alcançado por cada um. A nós, permanecem apenas as impressões, no mais das vezes, imprecisas. Contudo, foi nos outorgado o direito de fazê-lo, então façamos.

O grupo trouxe uma contribuição importante para nós ao disponibilizar material complementar a sua apresentação. Assim, pôde de outra maneira, que não oral, contemplar uma parte curiosa do texto. Leia-se, por exemplo, o jogo do bicho. As idéias da introdução e do primeiro capítulo da obra em referência foram obedecidas de maneira coerente. O texto publicado no blog está coerente e bem apresentado, mas pouco explorado. Sentimos muita descrição do que José Murilo de Carvalho apresentou na obra e não uma ação reflexiva do tema. Vejamos um trecho que na nossa opinião poderia ser melhor aproveitado: “Do ponto de vista econômico, o autor destaca questões como a febre especulativa em torno da moeda, ante a concessão do novo regime para a emissão de dinheiro por parte de vários bancos – onde o lema era o enriquecimento a todo custo; destaca, também, o enorme aumento no custo de vida e a defasagem do aumento salarial.” Este trecho, foi amplamente explanado por uma intervenção da professora no momento da apresentação. O grupo poderia ter antecipado tal análise e/ou tê-la em sua Resenha Crítica. Outra parte que nos chamou a atenção foi esta: “No decorrer do capítulo, José Murilo de Carvalho pondera o papel de intelectuais frente às alternativas de disposição política da Nação; quebras no campo da moral e dos costumes, tão bem representados pelos romances da época, como também pela revista O Tribofe de Artur Azevedo e seus caricatos personagens; a antipatia do setor pobre, especialmente da população negra, ao regime republicano; a perseguição republicana aos capoeiras, aos bicheiros, etc.”. Neste fragmento vemos o caráter expositivo do texto. Não estamos dizendo que não houve questões levantadas pelo grupo, estas existiram – sobretudo na última parte da exposição. Apenas estamos apontando os questionamentos e/ou análise que poderiam ter tido um enfoque maior.

A participação da classe foi mínima, com importantes intervenções da professora Isabel ao longo da apresentação. Tornando esse momento muito rico, pois a troca com os colegas do seminário foi salutar. Pontos como a política econômica do Encilhamento foram essenciais para o entendimento das ações e comentários posteriores. A abordagem para aprofundar a apresentação no tocante à escolha política de tirar do foco político o município do Rio de Janeiro foi muito proveitoso ao mesmo tempo em que se abordou o novo pacto político que se assanhava a vista. Julgamos esse momento o melhor da explanação do grupo com o auxílio da professora. A professora ainda mostrou o sentido político da análise que José Murilo faz da Proclamação da República: a Proclamação da República foi um golpe à Monarquia, para frear as mudanças liberais que ela vinha empreendendo. Ressaltando que José Murilo de Carvalho não usa dessas palavras para asseverar sua opinião.

Na quarta-feira, a apresentação se estendeu pelas duas aulas da semana, foram apontados alguns tópicos que não foram ditos na primeira intervenção e foi feita uma breve conclusão do exposto. Contudo, a pedido da professora, foi feito por nosso grupo uma breve síntese do que havia sido apresentado pelo grupo na aula anterior para que não entrássemos às cegas. Feito isto o grupo concluiu sua apresentação e para finalizar a professora instigou uma ponte entre os temas – o que fora apresentado pelo grupo antecessor e o grupo atual. Foi um momento de grande aprendizagem. Afinal, podemos perceber os nexos e discordâncias entre José Murilo de Carvalho e “as meninas” – Ângela de Castro Gomes e Martha Abreu. Onde, de modo muito acadêmico, as ditas “meninas” – como a professora se referia as autoras – discordavam do grosso da conclusão de José Murilo de Carvalho. Para elas, havia ampla negociação entre a cultura de elite e a cultura popular. Enquanto que, para o autor de “Os bestializados”, essa cultura popular foi severamente reprimida pela Primeira República, obstacularizando sua atuação e sendo apenas aflorada com força e energia pós-Revolução de 1930 e Estado Novo (1937). Para se chegar a essa conclusão vários alunos intervieram dando sua posição frente ao tema.

Por fim, após esta pequena reflexão síntese da apresentação e reflexão sobre a resenha e materiais apresentados pelo grupo neste blog, resta-nos a parte mais difícil de nossa tarefa: mensurar isso em uma nota. Entendemos que o grupo cumpriu satisfatoriamente os critérios de coerência discursiva e objetividade, mostrando de forma precisa o pensamento de José Murilo de Carvalho, também fizeram com um bom uso das normas da ABNT. No entanto, sentimos falta de um posicionamento crítico em relação ao texto e de um debate maior com a historiografia sobre o assunto. Debate este que foi contemplado ao final da apresentação. Com base no que foi dito nos parece justo a nota 8,5.

O Cruzeiro e a morte de João Pessoa

Este link é digitalização da revista O Cruzeiro de 02 de Agosto de 1930 e traz uma reportagem sobre a morte de João Pessoa.

http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/

terça-feira, 23 de março de 2010

Links para "O Rio de Janeiro através dos jornais"

Segue os links do site com recortes de notícias de Jornais a respeito do Rio de Janeiro, destacamos, em especial, as relacionadas à Primeira República ou República Velha.

Matérias disponibilizadas em sala:


Proclamação da República


O Jogo do bicho

Salão de Novidades Paris no Rio


Atentado contra Prudente de Morais


A pagina inicial deste site que fornece a pesquisa de João Marcos Weguelin é a seguinte:
http://www1.uol.com.br/rionosjornais/index.htm

As informações contidas em "O Rio de Janeiro através de jornais" podem ser de muita ajuda para os grupos que apresentarão os capítulos posteriores do livro Os Bestializados, visto que o recorte temporal dado é de 1888 até 1969, o que compreendi o período estudado.

sábado, 20 de março de 2010

Resenha dos capítulos 2 e 3 de CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados.

Resenha dos capítulos 2 e 3 de CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

John Keven
José Claudomiro
Luciano Leão
Raissa Paz

“Bestializados”, nome do livro em estudo de José Murilo de Carvalho, referência a frase de Aristides Lobo (jornalista republicano e abolicionista) sobre o povo brasileiro em relação à proclamação da Repúblicai, é uma tentativa de releitura das relações que construíram o que conveio a chamar de Primeira Republica brasileira, dando ênfase aos que foram rotulados de “bestializados”.
O capítulo intitulado de REPÚBLICA E CIDADANIAS fala entre o fim do Império e o início da República como um período de uma convulsão de ideias importadas da Europa, as quais se misturavam ao sabor das novas demandas e das conveniências brasileiras. O Rio de Janeiro, em particular, vivenciava uma febre de valores burgueses que chamou atenção de monarquistas e republicanos pelo predomínio de assuntos financeiros, inclusive na política. Essas mudanças referem-se à mentalidade coletiva. Pois, contudo, no campo político e social as diretrizes que eram liberais vinham desde o período imperial, assim como os direitos civis que quase ficaram inalterados pela constituição de 1891.
As mudanças eleitorais encetadas pelos republicanos tinham inspiração nas eleições diretas de 1881, que reduziu a participação do eleitorado para um décimo, excluindo do processo eleitoral os analfabetos. José Murilo de Carvalho entende que essa restrição à participação de uma parcela do eleitorado, se deveu a uma clara distinção entre sociedade civil e sociedade política. Para reforçar esse argumento, o autor recorre a Pimenta Bueno que em sua análise sobre a constituição de 1824 fizera distinção entre cidadãos detentores de direitos civis e, outros, de direitos civis e políticos. A concepção do direito político é dada por merecimento aos cidadãos denominados ativos (já que o voto é tido como uma função social e um dever) e aqueles que seus direitos não atingem a esfera política, são taxados de inativos.
A proibição do voto dos analfabetos mostra uma clara contradição e uma discriminação mascarada para com essa parcela da população brasileira, visto que, o Estado não criara as condições necessárias para dar instrução primária. Assim também, a constituição de 1890 cria dispositivos de repressão ao operariado e desobrigação de socorros públicos, mostrando claramente o projeto de exclusão e manutenção da classe dominante no poder através de um liberalismo pragmático. A República, chegara, pois, para substituir o Império que em algumas questões atrapalhava o liberalismo.
No contexto da disseminação dos ideais republicanos destaca-se Silva Jardim, um dos principais ideólogos do republicanismo no Brasil, que defendia uma concepção de cidadania em que os interesses gerais estariam acima dos particulares e, portanto, ditariam os rumos e necessidades coletivas. Para tanto, defendia uma ditadura republicana, sem, contudo, deixar claro o papel do povo nesse novo cenário.
Entretanto, o modelo federalista adotado na constituição de 1891 possibilita o fortalecimento de oligarquias locais, deixando na centralidade das discussões os interesses particulares. Dessa forma, a questão da ampliação da cidadania política e questões sociais assumiram papel secundário, num modelo liberal conservador.ii
No mais, outro setor importante para propaganda republicana foram os militares, que partindo de um sentimento de insatisfação quanto às limitações de seus direitos de cidadania que se tornara mais acirrado nos dez anos que antecederam 1889, reivindicavam um papel de cidadão ativo, ou seja, o soldado-cidadão. Havia dessa forma, uma identificação do exército com o povo.
Em decorrência desta identificação surgiu uma aproximação com a classe do operariado estatal, que na busca de uma maior participação política chegou a discutir uma legislação trabalhista avançada para a época e com a criação do partido operário pressionaram a criação de um código penal que permitisse greves e associações.
No entanto, vale salientar que os militares e o operariado estatal assumiram o papel de seus movimentos de dentro do Estado, não sendo movimentos essencialmente vindos das camadas populares. A esse tipo de obtenção de cidadania, Carvalho a denomina Estadania, ou seja, a utilização do Estado com propósitos específicos.
Entre as correntes ideológicas da época, o positivismo destaca-se por um paternalismo estatal que, segundo o autor, a cidadania política seria uma dádiva do estado não advindo de conquistas ou reivindicações. É o modelo de um estado autoritário. Mas, conforme ressalta BASBAUM, as influências do positivismo não vão muito além do que se verifica na propaganda republicana, ou seja, a disseminação do ideário republicano e seus teóricos no Brasil pouco influenciaram como positivistas.iii
Por outro viés, a corrente socialista entendia que no modelo republicano o estado deveria garantir uma maior participação dos cidadãos na vida pública através de organizações representativas. A resistência do Estado republicano em ampliar a cidadania, contudo, fez surgir um sentimento de descrença que propiciou o crescimento do anarquismo junto à classe operária, destacando-se duas correntes: os anarquistas socialistas e os anarquistas individuais. Distinguiam-se principalmente pelo fato de que os primeiros, a maioria, admitiam “o sindicalismo como arma de luta”iv , enquanto que os últimos, os mais radicais, não aceitavam qualquer tipo de hierarquia que não fosse aceita. Mas, ambas convergiam no sentido da luta contra as restrições de cidadania encetadas pelo regime republicano.
Contudo, faz-se notório pela compreensão da relação historiográfica do pensamento de Murilo de Carvalho com os outros autores citados na bibliografia, o real impasse que a instituição do sistema republicano gerou. Por um lado, verifica-se a implantação da “democracia”, como modo de uma estratégia política para consolidação do poder por parte das elites. Todavia, por outro é constatado o impedimento desta forma de governo às classes menos favorecidas e até mesmo ao exército, não deixando impressionar a insatisfação causada nesta parcela da população, onde a revolução agora era seu principal lema.
Tendo como referência a historiografia contemporânea à Primeira República, Murilo de Carvalho no terceiro capítulo (CIDADÃO INATIVOS: A ABSTENÇÃO ELEITORAL) retoma (aprofundando) a ideia de “cidadãos inativos” e/ou inexistência de um “povo brasileiro” da qual estava sendo rotulado a maioria da população e que continua perdurando em muitos discursos atuais. Para isso, o autor tenta desconstruir esse posicionamento (político) através do questionamento: que tipo de cidadão os intelectuais (estrangeiros ou não) que problematizavam a situação brasileira de início da República buscavam?
Partindo das informações de representantes intelectuais estrangeiros o autor percebe um tipo de conceitualização comparativa. Cidadão e atividade cidadã pertenciam aos padrões europeus. Nessa linha é que o francês biólogo Louis Couty é apresentado tendo interpretações preconceituosas (inclusive raciais) achando, por exemplo, “o escravo de fazenda inferior ao irlandês, ao russo, ao operário alemão ou francês, como fator de revolução ou de progresso social”v. Entretanto, os intelectuais brasileiros, independentemente de suas buscas por uma identidade nacional ou um governo próprio e autêntico, se remetiam também a modelos e ideais europeias para projetarem o Brasil.
Povo como “massa de manobra”. Momentos vários da história (ex. Revolução Francesa, Revolução comunista, ...) essa característica (muito cômoda, por sinal) simplifica as interpretações. Mas, seria muito ingênuo acreditar que algumas “boas almas” da elite se tocaram com a causa dos menos favorecidos em alguns (muitos) âmbitos sociais e foram reivindicar e oferecer direitos à população. É fazendo um estudo da lógica de não participação direta do povo na política que Murilo de Carvalho explora o exemplo da Revolta da Armada, momento considerado de agitação popular. Percebe, então, que para tentar não se contradizer, aqueles mesmos historiadores que pensam o povo inativo vêm explicar, nesse caso, que os que participam das manifestações são a “escória”, a “escuma social”vi. Ou seja, descartando a seriedade dos participantes e, consequentemente, dos movimentos de rebelião.
Utilizando-se estatísticas de 1890 e 1906 é levantado dados que exprimem (ou deveriam exprimir) a organização ocupacional da população ativa do Rio de Janeiro (cidade explorada no texto, já que era a capital e tida como exemplo da situação total do país – se bem que sabemos a precipitação dessa associação). Resulta a maioria ser composta pelo proletariado (incluindo, aqui, jornaleiros, encarregados de serviços domésticos, profissão desconhecida e/ou não declarada)vii. Dos dados de 1890 só cerca de 1% pertenciam à classe alta. As duas classes intermediárias com praticamente as mesmas proporções eram compostas por profissionais liberais, funcionários públicos, comércio, manufatura, transporte, entre outros.
Entre as pessoas que adicionavam o número dos proletariados fluminenses estavam em torno de 50%. De acordo com os dados do censo de 1890, 30% da população urbana do Rio de janeiro era composta por indivíduos de outra nacionalidade. Contudo, em classes mais altas da sociedade via-se a atuação dos estrangeiros, principalmente portugueses. Os lusitanos estiveram extremamente presentes na classe proprietária. Para isso o autor recorre às informações de Assis Brasil (que atesta os domínios que os portugueses tinham na cidade do Rio de Janeiro), como também as de Raul Pompéia, sendo este ferrenho crítico da presença portuguesa na capital da nova nação republicana.
Levanta-se, portanto, no texto mais umas questão: Quem seria então o “povo político” da Primeira Republica? Por que ele votava? E por que grande maioria (segundo as estatísticas) mesmo com direito ao voto não o fazia?
Levando em conta as várias categorias que são excluídas oficialmente de votar (mulheres, menores de 21 anos, estrangeiros, outros) o número de votantes se reduz drasticamente. (Observamos que o autor aqui não problematiza a questão racial e/ou de etnicidade. Releva a questão dos estrangeiros mas não se refere aos negros e sua integração na cidadania.) Contudo, dos que possuíam o direito ao voto pouca parte é que exercia. Os motivos seriam vários. As denominações que se faz da Primeira Republica de oligárquica, de voto de cabresto, da Espada, entre outras, não está distante de muitas relações que se estabeleceram. Houve a “capangagem”. Muitas pessoas preferiam estar longe das eleições e das confusões. Diz, então, Murilo de Carvalho que o Brasil não tinha povo se povo é aquela maioria da população que vota com autonomia. Mas existia aquele que “quando participava politicamente, o fazia fora dos canais oficiais”viii.


[i] CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005
[ii] RESENDE, Maria Efigênia Lage. O processo político na Primeira República e o liberalismo oligárquico. In FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 98.
[iii] BASBAUM, Leôncio. História sincera da República. Das origens a 1889. Vol. 1. 5 Ed. São Paulo: Alfa ômega, 1986, p. 204-205.
[iv] CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 57.
[ v] COUTY, Louis. O Brasil em 1884: esboços sociológicos. Brasília; FCRB/Senado Federal, 1984. p.35, citação no artigo RIBEIRO, L. C. Andre Rebouças e Louis Couty: idéias para o século vinte, encontrado na página da web http://www.angelfire.com/planet/anpuhes/ensaio21.htm#_ftn1.
[vi] Grifo do autor. CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 72.
[vii] Tabela II. Ibid., p. 72.
[viii] Ibid., pp.90

Resenha da Introdução e do Capítulo I de CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi.

CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.


Edson de Araújo Nunes

Nieliton de Souza Almeida

Rafaella Valença de Andrade Galvão

Renan Vilas Boas de Melo Magalhães


A transição do regime monárquico para o sistema republicano constitui, indubitavelmente, campo de diversas discussões e acepções historiográficas. Dada a complexidade inerente a este processo, variados enfoques buscaram compreendê-lo a partir de sua dimensão social, política, econômica, ou ainda, cultural. Boris Fausto dirigiu quatro volumes (8 a 11, respectivamente) intitulados O Brasil Republicano[i] da famosa coleção História Geral da Civilização Brasileira, onde colaboradores com distintas formações acadêmicas irão analisar aspectos também distintos deste período da nossa História. Em História da Vida Privada no Brasil[ii], coordenado por Fernando Novais, a história sociocultural do Brasil Republicano é tema presente nos volumes 3 e 4. Para Emilia Viotti da Costa, em sua Da Monarquia à República[iii] as transformações econômicas e sociais que culminaram no estabelecimento da República no Brasil decorrem da junção de três forças, quais sejam, parcela significativa do Exército, integrantes das camadas médias urbanas e fazendeiros do oeste paulista.

No tocante a estudos específicos sobre a chamada República Velha ou Primeira República, há ainda muito o que ser explorado. Preencher parte substancial desta lacuna é tarefa empreendida por José Murilo de Carvalho, pós doutor em História da América Latina pela Universidade de Londres (1977) e atualmente professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi (1987), obra interdisciplinar, onde buscou compreender a problemática da construção do Estado e da Nação, bem como a natureza da cidadania gerada nos primeiros episódios da experiência republicana no Brasil.

A obra é dividida em cinco capítulos, onde o autor dialoga com fontes de natureza primária (em especial, jornais da época) e secundária; destaca-se o uso de fontes literárias contemporâneas ao processo em tela, figurando escritores como Raul Pompéia, Aluísio de Azevedo, Lima Barreto, dentre outros.

Na introdução da obra, José Murilo de Carvalho justifica sumariamente o seu estudo enquanto tentativa de compreensão de um problema de natureza política referente à participação das camadas populares na vida política da República. Sua amostra espacial foca nada menos que a maior cidade do país – em termos demográficos e econômicos – e capital política e administrativa do Estado Brasileiro: o Rio de Janeiro.

Para além de um viés maniqueísta onde o Estado tão somente obstaculariza a Sociedade, sendo mesmo um vilão ante os cidadãos, partindo do pressuposto de que existe algo além de um povo bestializado, o autor tenta entender “que povo era este, qual seu imaginário político e qual a sua prática política”[iv].

No capítulo I intitulado “O Rio de Janeiro e a República”, Carvalho analisa as transformações sociais, econômicas, políticas e culturais ocorridas nas primeiras décadas da Primeira República, expondo que as transformações sucedidas na capital foram antecipadas a partir da transição da Monarquia para a República.

Um dos aspectos elencado pelo Professor José Murilo é de natureza demográfica. Aqui, aponta o crescimento populacional na cidade do Rio de Janeiro como resultante de fatores como: o aumento do número de imigrantes e do êxodo rural, este último em decorrência direta da abolição. O autor consubstancia suas afirmações arrolando tabelas estatísticas e censitárias.

Ainda nesta esfera, o autor nos traz uma visão panorâmica das dificuldades enfrentadas por esta população em vertiginoso crescimento. Aqui se somaram problemas que iam desde a má remuneração até a insalubridade das habitações, que acometiam trabalhadores domésticos, jornaleiros, entre outros. Também como conseqüência do aumento populacional, o Rio de Janeiro será campo fértil para a atuação de ladrões, prostitutas, malandros, trapeiros, bicheiros, jogadores, pivetes, e os conhecidos capoeiras.

Do ponto de vista econômico, o autor destaca questões como a febre especulativa em torno da moeda, ante a concessão do novo regime para a emissão de dinheiro por parte de vários bancos – onde o lema era o enriquecimento a todo custo; destaca, também, o enorme aumento no custo de vida e a defasagem do aumento salarial.

Quanto a campo político, José Murilo de Carvalho nos expõe que a “Proclamação da República trouxe grandes expectativas de renovação política, de maior participação no poder por parte não só de contra-elites, mas também das camadas antes excluídas do jogo político”[v]. Arena de decisões da condução da nação, o Rio de Janeiro torna-se foco e condutor das atenções de todo um país, o que trouxe toda uma esfera de frenesi para a população da capital.

Outro ponto desta abordagem é o papel dos militares, que se julgavam donos do poder e no direito de intervir a qualquer momento na questão política. Os militares contrastavam com os esboços de partidos que surgiam das classes mais baixas e de intelectuais com a motivação de democratizar a república.

Prosseguindo sua argumentação, o autor registra o movimento ocorrido no plano das estruturas mentais e ideológicas da República. Vertentes positivistas, liberais, socialistas e anarquistas, no decorrer das primeiras décadas posteriores ao 15 de novembro, irão gerar o amálgama político-ideológico deste cenário.

No decorrer do capítulo, José Murilo de Carvalho pondera o papel de intelectuais frente às alternativas de disposição política da Nação; quebras no campo da moral e dos costumes, tão bem representados pelos romances da época, como também pela revista O Tribofe[vi] de Artur Azevedo e seus caricatos personagens; a antipatia do setor pobre, especialmente da população negra, ao regime republicano; a perseguição republicana aos capoeiras, aos bicheiros, etc.

Um dos principais desafios da República seria neutralizar a influência de uma capital tão famigerada – nos termos do quadro exposto pelo autor – para o restante da nação. A solução é encontrada a partir da redução da participação popular aliada à eliminação dos setores militarizados do governo. Indiretamente, buscou-se também o fortalecimento dos estados a partir da pacificação e cooptação de suas oligarquias. Nas palavras de José Murilo de Carvalho, eis a solução: “governar o país por cima do tumulto das multidões agitadas da capital”[vii]. Quanto ao governo municipal, sua ação administrativa foi extremamente limitada pelo governo federal, dissociando-o da participação dos cidadãos. “A expectativa inicial despertada pela República, de maior participação, foi sendo assim sistematicamente frustrada”[viii].

As barganhas pessoais fecham o círculo da corrupção política da Primeira República, onde os “fazedores de eleições, os promotores de manifestações”[ix], eram nada mais que os proprietários de casas de jogos e de prostituição. “A ordem aliava-se a desordem, com a exclusão dos cidadãos que ficava sem espaço político. O marginal virava cidadão e o cidadão era marginalizado”[x].

No que se refere ao tipo de participação popular que havia na capital republicana, o autor aponta para práticas situadas à margem da política oficial, vivenciadas nas festas populares, nas comunidades habitacionais, fossem estas étnicas ou locais. E, mais tardiamente, a partir das associações operárias anarquistas.

Por fim, o autor discorre sobre a urbanização e o saneamento da cidade, que excluía a população pobre, expulsa de suas habitações – especialmente, aquelas oriundas dos cortiços – para assim adentrar no mais entusiástico espírito da belle époque.

Com uma escrita clara e elegante, Os Bestializados, para além de um público restrito ao âmbito acadêmico, torna-se obra substancial para todos aqueles que têm interesse em analisar a longa caminhada da cidadania brasileira, ao analisar como os grupos populares lutaram e foram incapazes de vencer uma elite política minoritária – em termos numéricos. Tais elites mostraram força e articulação para criar dispositivos que vampirizam e impedem, desde longa data, a efetiva e consciente participação política da maioria dos cidadãos brasileiros.

Como afiança o próprio autor, ainda que seu estudo se trate de uma investigação histórica, este não está desvinculado do presente; posto que no atual cenário político, por vezes, os representantes do poder público nos são apresentados em suas práticas corruptas e ilícitas, através dos variados meios de comunicação, a temática da cidadania nos é extremamente contemporânea. Qual o papel do cidadão frente a tantos escândalos no Congresso, no Senado, ou ainda no próprio Palácio da Alvorada? Quem sabe, o olhar crítico para o passado nos traga reflexões e posições pertinentes para o nosso presente político.

É atual o estudo de José Murilo de Carvalho por elencar questões sociais no alvorecer da República; questões também prementes no Brasil Contemporâneo, que comporta várias problemáticas ainda não solucionadas neste campo, desde a desigualdade na distribuição de renda, no acesso a uma educação de qualidade e aos serviços de saúde pública.



[i] FAUSTO, Boris (Dir.). O Brasil Republicano. 4.ed. -. São Paulo: DIFEL, várias datas. 4v. (8-11) (História geral da civilização brasileira)

[ii] NOVAIS, Fernando A (Coord.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. vol. 3 e 4.

[iii] COSTA, Emilia Viotti da. Da Monarquia à Republica: momentos decisivos . 3. ed. -. São Paulo: Brasiliense, 1985.

[iv] CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 13.

[v] Ibid., p. 22.

[vi] Apud CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

[vii] CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 33.

[viii] Ibid., p. 37.

[ix] Ibid., p. 38.

[x] Ibid., p. 38.

Avaliação Crítica sobre a Resenha do texto: A nova “Velha” República: um pouco de história e historiografia

Gabriela Neves de Lima
Isabela Magalhães
Juliana Ferreira Campos Leite
Wheldson Rodrigues Marques

Realizada a análise da resenha elaborada pelos alunos Ermano Oliveira, Jonatas Cruz, Pedro Dantas e Tásso Araújo – sobre o texto: A nova “Velha” República: um pouco de história e historiografia – e, levando-se em consideração os critérios adotados para a avaliação do trabalho, verificamos alguns aspectos que julgamos necessário comentar.
Primeiramente, quanto ao critério sobre a coerência discursiva, o grupo não apresentou quaisquer erros ortográficos, de acentuação gráfica e, inclusive, fez uso das novas regras gramaticais, o que, para nós, constituiu ponto positivo. Porém, foram percebidas algumas falhas em relação à coesão e à coerência textual, visto que houve uso inapropriado da vírgula no seguinte trecho: “Mesmo, não citados pelas autoras, a historiografia (...)”. E, no trecho: “(...) tal como a tese de doutoramento de Sylvia Couceiro no qual é visível o esforço (...)”, notamos a ausência da vírgula. Ambos os casos encontram-se no 7º parágrafo. Ao lermos o seguinte período: “No campo estritamente político as autoras enxergam a historiografia recente como reveladoras, que as eleições se fizeram importantes, pois havia ‘uma relativa, mas estratégica, circulação das elites, (...)”, concluímos que este não foi adequadamente construído, havendo ainda o problema de concordância nominal, que comprometeu a fluência da leitura.
No quesito argumentação, ressaltamos a clareza do que foi exposto na resenha. Os autores se mostraram à vontade com o tema e ficou bastante perceptível a compreensão e o domínio do texto por que se basearam. Julgamos totalmente satisfatórios os resultados nesta etapa da análise.
Quanto ao critério de objetividade (incluindo a fidedignidade ao autor), avaliamos também de forma positiva os resultados. A equipe conseguiu captar a idéia central e traduziu bem o exposto por Ângela Gomes e Martha Abreu na resenha. Em poucos parágrafos foram abordados, de forma fiel, todos os pontos importantes do texto de referência.
Ao posicionar-se criticamente, segundo o terceiro item para a avaliação, o grupo mostra concordar com os pontos de vista das autoras, de forma geral. Contudo, há a seguinte passagem: “Quanto à competição, não resta dúvida, já que a manipulação do povo denuncia esta prática; mas dado que os cargos eletivos eram ocupados pelas elites e que os próprios partidos formados para a disputa dos pleitos eram compostos por essas mesmas elites, cabe discutir se tal renovação não era apenas uma alternância de poder.”. As autoras deixam claro que as eleições “eram fundamentais para uma relativa, mas estratégica, circulação de elites, introduzindo na cena política um mínimo de competição e renovação”. Entendemos que a circulação (ou talvez a exclusiva participação) das elites no poder não nega o caráter de renovação no campo político, neste âmbito. Julgamos, portanto, desnecessário o questionamento levantado na resenha.
Foi satisfatório ainda o debate com a historiografia, visto que foram trazidas referências a fim enriquecer a discussão, reforçando determinados pontos defendidos e também promovendo análises através de outra perspectiva, como no caso de Raimundo Arrais, no contexto das festividades como espaço para a cultura política.
Atendendo aos critérios estabelecidos no item 7.5.3 da NBR 6023, de agosto de 2002, pertencente à ABNT, verificamos que o grupo atendeu às exigências estabelecidas sobre a utilização de elementos incluídos em referências. O trabalho também está de acordo com o item 3.2 da NBR 6028, de novembro de 2003: “resumo deve ser precedido da referência do documento, com exceção do resumo inserido no próprio documento” (considerando resumo crítico o mesmo que resenha).

Com base no que expusemos aqui, decidimos atribuir nota 9,0 ao grupo, entendendo que o trabalho cumpriu a maior parte das exigências estabelecidas e explorou bem o tema.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Vídeo do Historiador Bóris Fausto sobre a República Velha.

A República Velha. Boris Fausto 1
A República Velha. Boris Fausto 2
A república Velha. Bóris Fausto 3

Leitura complementar.

segunda-feira, 15 de março de 2010

José Murilo de Carvalho e o governo Lula

Encontrei uma entrevista do José Murilo de Carvalho, de 2002, para o Jornal do Brasil, onde discute o início do governo Lula: Atacar a elite é demagogia
Outro artigo, do Estado de São Paulo, sobre Democracia e República: Democracia política e novo reformismo
Outra entrevista para a Veja: Tentação secular
Um artigo de 2003 do Jornal da Ciência,   sobre o governo Lula: Não há mais desculpas

Enfim... muitas possiblidades para saber o que o historiador pensa. Mais será que poderemos dizer que o governo Lula foi capaz de modificar a opionião de José Murilo de Carvalho sobre a nossa cultura política...

sábado, 13 de março de 2010

Resenha: ABREU, Martha. GOMES, Ângelo de Castro. A nova “Velha” República: um pouco de história e historiografia in: Tempo Nº 26 Vol. 13 - Jan. 2009


Ermano Oliveira
Jonatas Cruz
Pedro Dantas
Tásso Araújo


A História é construída através de ressignificações do passado, estas novas significações são releituras do passado e não existe leitura ingênua. Martha Abreu e Ângela de Castro Gomes sabem que este tipo de pensamento pode jogar luz nas dinâmicas das produções historiográficas. O período em questão é formado pelos primeiros momentos republicanos no Brasil, República Velha.
As autoras começam a pensar o próprio termo República Velha como uma construção histórica e ideológica. Aquilo que aprendemos na escola, enquanto estudantes secundaristas, esteve maculado por esta imagem da República Velha como um período obscuro, caótico, enfim carente de manifestações e ideias que identificassem o Brasil unificado política e culturalmente. E como estas invenções de termos servem a algum projeto, ou alguma prática, o termo República Velha corresponde a anseios de projetos[i] ou do projeto do Estado Novo. Uma leitura mais aguçada do texto leva a crer que o termo foi construído na vontade e/ou necessidade de criar uma identidade ou negar uma identidade vinculativa com o período anterior. Então, para as autoras, a construção da ordem do discurso do Estado Novo é indissociável da negação do período nomeado de República Velha. Portanto, nomear o passado é um ato de força que os historiadores gozam.
Não sem intencionalidade esta visão nos foi legada pelos ideólogos do Estado Novo que, como o nome mesmo já revela, relega o período imediatamente anterior projetando transformações que se iniciam com a chegada desta nova situação política, uma ruptura com o fracasso da Primeira República. A partir de então, constroi-se a imagem do novo período atacando características essenciais do anterior, como o liberalismo e o federalismo, que com a descentralização inicialmente visavam uma maior aproximação da população com o governo através dos seus desdobramentos locais; mas estes aspectos enfraqueceram o poder central e abriram espaço para os desmandos dos coroneis locais[ii]. O próprio termo “Velha” em si carrega certo tom pejorativo. Ao encarar o desencadear dos fatos, os intelectuais do Estado Novo, passaram a ter uma atitude, nas próprias palavras das autoras: Teleológica, para com o Estado Novo.
Os críticos da República Velha a acusavam de ser contemplativa e imitadora do modo de vida europeu, marginalizando a cultura popular, tipicamente brasileira. O trabalho dos novos ideólogos surgiu como uma crítica aos valores do período anterior, um esforço de construção de uma identidade que ressaltasse características presentes na realidade do país. A força desta visão negativa da Primeira República marcou a historiografia nacional, o Estado Novo seria um grande espaço para a mediação cultural de manifestações populares. Aos olhos das autoras essa conjuntura de interpretações históricas, com certo tom de maniqueísmo político, é fruto do processo de criação e afirmação discursiva do Estado Novo.
As autoras alertam que estas críticas de forma intencional marginalizaram as lutas e conquistas da República Velha, entre elas, a realização sistemática de eleição como uma situação de pedagogia política das populações. Apesar de no texto trazer a informação, as autoras, não percebem festividade como espaço da cultura política, tal qual, Raimundo Arrais[iii] percebera ao analisar as camadas baixas da sociedade durante o Salvacionismo.
Além das críticas de fundo político e social, as historiadoras chamam especial atenção para os ataques de ordem cultural à Primeira República. Segundo elas, os ideólogos do Estado “Novo” acusam e apontam a incapacidade da República “Velha” de instituir um forte ideal republicano e, menos ainda, um ideal de nação “brasileira”. Os críticos da Primeira República a acusam de ter negado e perseguido os gêneros populares e nacionais de manifestações culturais, para valorizar uma cultura “importada”, eurocêntrica e afastada das tradições populares. Ou seja, a República “Velha” não teria se aproximado do Brasil ‘real’. Porém os ideólogos do Estado Novo encaravam o povo como um consumidor que não teria capacidade de reagir diante do poder.
O povo e seus movimentos não podem ser vistos como passivos e determinados pelo governo vigente, estamos de total concordância com as autoras. Mesmo, não citados pelas autoras, a historiografia têm produzido estudo no qual a influência de pensadores como Michel de Certeau[iv], tal como a tese de doutoramento de Sylvia Couceiro[v] no qual é visível o esforço de buscar a reação da camada popular às camadas mais altas da sociedade.
Em oposição direta a Primeira República estaria o Estado “Novo”, pintado por seus ideólogos como o “construtor de uma nação ‘real’, em termos de cultura e história nacionais” (p.10). Esse Estado passaria a apoiar as ‘verdadeiras’ manifestações brasileiras: o samba, o carnaval, a cultura afrodescendente, etc., construindo uma identidade “mestiça” do Brasil.
A questão para as autoras não é negar que durante a Primeira República houve perseguições e repressão a manifestações culturais populares. Mas sim, de relativizar o papel do Estado “Novo” como o grande patrono e incentivador da cultura popular, atribuindo aos próprios agentes populares a iniciativa de luta pelo reconhecimento, mesmo antes de 1930.
O texto de Ângela de Castro Gomes e Martha Abreu não é uma simples apologia da Primeira República, elas reconhecem os problemas e as limitações do período, inclusive os avanços do Estado “Novo”. A questão, porém, é a de não reproduzir o estigma estrategicamente criado, abrindo possibilidades para múltiplas interpretações. Esse objetivo fica claro em algumas expressões utilizadas: “e esse pior existe, mas não é tudo que existe” (p.8); “Mas isso não foi tudo” (p.10); “Definitivamente, ela não era só isso” (p.13).
No campo estritamente político as autoras enxergam a historiografia recente como reveladoras, que as eleições se fizeram importantes, pois havia “uma relativa, mas estratégica, circulação das elites, introduzindo na cena política um mínimo de competição e renovação[vi]” Quanto à competição, não resta dúvida, já que a manipulação do povo denuncia esta prática; mas dado que os cargos eletivos eram ocupados pelas elites e que os próprios partidos formados para a disputa dos pleitos eram compostos por essas mesmas elites, cabe discutir se tal renovação não era apenas uma alternância de poder.
A historiografia recente tenta desmontar as versões e ressignificar a República Velha, tentando fugir das armadilhas engendradas no pensamento historiográfico pelos ideólogos do Estado Novo, por isso há uma indicação no sentido de melhor estudar este período, abordando novos problemas, fazendo-lhe novas perguntas, percorrendo novamente os caminhos do tempo na renovação da historiografia desta época.
[i] Projeto aqui entendido na perspectiva de Castoriadis, onde a Práxis e o projeto são simultâneos. Para mais detalhes ler: CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. Paz e Terra, São Paulo 2000.
[ii] Cf. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 41.
[iii] ARRAIS, Raimundo. Recife, culturas e confrontos. Natal: EDUFRN, 1998
[iv] Para mais detalhes ler: CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: as artes de fazer. Vozes, Rio de Janeiro , 2009.
[v] COUCEIRO, Sylvia Costa. A arte de viver a cidade. Recife, Tese (Programa de Pós-Graduação em História) - UFPE, 2003.
[vi] Grifo nosso