quarta-feira, 28 de abril de 2010

Exposição

Apesar de não pertencer ao nosso recorte temporal, a Lei Áurea e importantíssima na construção da cidadania. Ela está sendo exposta na nossa cidade até o dia 16 de Maio.

informações:

terça-feira, 13 de abril de 2010

A força do estigma

Texto em que o José Murilo de Carvalho comenta sua opção pela monarquia...

A força do estigma
JOSÉ MURILO DE CARVALHO
Folha de São Paulo, 01/11/1998

José do Patrocínio tinha um objetivo e uma paixão: a libertação dos escravos. A esse objetivo e a essa paixão dedicou sua vida e subordinou suas lealdades políticas. Republicano, apoiou com entusiasmo Isabel quando a regente decidiu aderir incondicionalmente à abolição. O apoio lhe custou caro. Entre a abolição e a proclamação da República, travou luta sem quartel com os republicanos, sobretudo os paulistas, que lhe deram o epíteto insultuoso de "último negro vendido". Em represália, chamava-os de "piratas do barrete frígio", e "neo-republicanos da indenização". Nada lhe adiantou ter liderado o único movimento civil e popular do 15 de Novembro, aquele que proclamou a República no Senado da Câmara do Rio de Janeiro. Passou o resto da vida no ostracismo político e morreu pobre e tuberculoso em 1905.
Em 1991, diante do fato da convocação de um plebiscito sobre a forma e o sistema de governo, marcado para dois anos depois, escrevi um artigo que saiu publicado no "Jornal do Brasil" com o título "Esse Debate É Real". O artigo fazia um apelo no sentido de que se aproveitasse o plebiscito para uma discussão aprofundada da forma de governo, monarquia ou República, juntamente com o debate sobre o sistema presidencial ou parlamentarista.
O argumento justificador do apelo era simples. Partia da premissa inicial de que um dos graves problemas do país, se não o mais grave, era o da desigualdade social. Esse problema, segunda premissa, só poderia ser resolvido se os conflitos de interesse que necessariamente resultavam da desigualdade pudessem se manifestar livremente. Ora, prosseguia o argumento, nosso sistema republicano presidencialista é muito vulnerável ao conflito. Qualquer aumento de litígio provoca medo de desestabilização que, na melhor das hipóteses, redunda em apelos em favor de unidade nacional, de pactos, acordos, arranjos. Na pior das hipóteses, leva ao uso puro e simples da violência e da repressão.
A engenharia institucional da monarquia, que separa o chefe de Estado do chefe de governo e dá ao primeiro uma legitimidade simbólica mais poderosa do que a de um presidente de República parlamentarista, poderia, era a hipótese, dar ao sistema a estabilidade necessária para suportar sem abalos a liberação dos conflitos. Liberados estes, estariam criadas as condições políticas favoráveis à introdução de políticas redutoras da desigualdade. A idéia inicial era, portanto, aproveitar o plebiscito para discutir condições institucionais para a abolição de nossa escravidão do século 20, a escravidão da miséria. Naturalmente, o exemplo de países como a Inglaterra, a Holanda, a Bélgica, o Japão servia de inspiração para a hipótese.
O apelo, talvez ingênuo, fracassou. O debate não foi aceito nos termos propostos. Respostas agressivas e mal-humoradas levaram a discussão para cem anos atrás, para a história da monarquia brasileira. As reações negativas vieram em sua maioria, mas não exclusivamente, de São Paulo. Nas formas benignas ficavam entre a complacência, a ironia e a gozação. Nas formas malignas transformavam-se em acusações de reacionarismo e restauracionismo. Só faltou me acusarem de querer restabelecer a escravidão. O preço a pagar pelo estigma de monarquista foi suportar a hostilidade de alguns, o constrangimento de outros, sobretudo de amigos, alunos e orientandos, a estranheza de muitos. Além de vetos a convites para atividades acadêmicas, desconvites, desconfianças.
Apesar do caráter conjuntural do debate, apesar de nunca mais ter voltado ao tema, que considerei encerrado com o resultado do plebiscito, o estigma permaneceu. Sete anos depois, ele aparece, por exemplo, na resenha de meu último livro, "Pontos e Bordados", assinada por Marcelo Coelho e publicada no Mais!. A resenha, no geral, é aguda, elogiosa e simpática. Vindo de quem vem, isso me desvanece. Mas, lá pela metade dela, surge o desapontamento. Marcelo Coelho decide fazer um parêntese para afirmar rotundamente que sou monarquista, embora diga que tal característica não aparece no livro (na verdade, foi incluído nele o artigo inicial do debate, resumido acima). O parêntese dura até o fim da resenha e gira em torno da ambiguidade que existiria em meu pensamento por denunciar sistematicamente a desigualdade, a violência, a ausência de cidadania e ser, ao mesmo tempo, monarquista.
Aqueles que a divergência, real ou imaginada, não impediu de ler minha obra, e Marcelo Coelho parece ser um deles, sabem que, desde a publicação de "Os Bestializados", em 1987, meu tema obsessivo tem sido a denúncia da ausência, entre nós, de duas características básicas da República: a virtude cívica, apontada por Montesquieu nas repúblicas antigas, e a igualdade civil, detectada por Tocqueville na democracia norte-americana. A crítica persistente a nosso regime republicano se deve simplesmente ao fato de ter ele sido até hoje uma caricatura de si mesmo, uma casca institucional sem substância cívica. Ele tem horror a povo, não tolera conflito, sustenta-se sobre o privilégio e a desigualdade. A crítica é apenas uma busca da virtude e da igualdade republicanas.
A ambiguidade, pelo menos a apontada por Marcelo Coelho, só existe para aqueles que partem da hipótese de que eu seja monarquista, retrógrado ou liberal. Retrógrado nunca fui. Liberal, por convicção, também não. Defendi, para efeitos do plebiscito, a hipótese de que, em nossas circunstâncias, a engenharia institucional da monarquia representativa, aliada ao peso simbólico da figural real, poderiam ser instrumentais para a extinção da escravidão da desigualdade, portanto para a realização de valores republicanos. A hipótese poderia ser inepta ou utópica, mas nunca portadora de ambiguidade.
Seria presunçoso comparar-me a Patrocínio. Sua luta foi heróica e grandiosa, sua figura generosa e genial, seu destino trágico. Seu exemplo me veio à memória por ter ele sentido, com muito mais intensidade, a força do estigma.

sábado, 10 de abril de 2010

Análise e Comentários da Resenha dos capítulos IV, V e Conclusão do livro “Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi”

Amanda Alves
Deise Albuquerque
Jeniffer Ferreira
João Rubens Vasconcelos
Vanessa Albuquerque

Em “Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi”, o historiador e cientista político, José Murilo de Carvalho, nos oferece a sua análise sobre a participação política na capital da incipiente República estabelecida no Brasil, a partir de 1889.
A partir de três resenhas nossa turma almejou detalhar o pensamento deste autor, a fim de compreender suas teses, mas principalmente de questionar seus argumentos. Neste sentido, as resenhas passaram por um processo de avaliação formativa que abrangeu toda a turma. Dentro desse processo de construção do conhecimento, nos foi delegada a tarefa de avaliar a resenha que compreende os capítulos “Cidadãos ativos: a Revolta da Vacina”, “Bestializados ou Bilontras” e a “Conclusão” da obra supracitada.
Antes de passar a avaliação da resenha propriamente dita, julgamos necessário realizar um breve esboço da apresentação oral da equipe.
A equipe em questão desenvolveu uma apresentação de caráter expositivo e bastante elucidativo dos capítulos supracitados, demonstrando pleno domínio das idéias centrais abordadas pelo autor.
Como forma de integração entre as apresentações anteriores com a presente, a equipe fez uma breve retomada do capítulo 3 para só então adentrar nos capítulos 4, 5 e Conclusão. Descrevendo de forma bastante fidedigna ao texto do José Murilo de Carvalho, buscaram ressaltar num primeiro momento, a Transição do governo de Campos Sales para o governo Rodrigues Alves, passando pela recuperação econômica, reformas urbanas, sanitarismo ou “despotismo sanitário”, reconstruindo assim toda a cadeia de acontecimentos que precederam e que corroboraram para a eclosão da Revolta da Vacina, descritas pelo autor, e de como tais acontecimentos foram interpretados pelo povo carioca da época.
O grupo ainda fez um pequeno resumo sobre a Revolta da Vacina, levantando os principais pontos do conflito, apontando o caráter da revolta: popular e violenta, e da participação do operariado, sobretudo, do Centro das Classes Operárias; do posicionamento político-ideológico dos jornais e da divisão por eles estabelecidas. Procurando, desta forma, descrever os argumentos pelos quais se valeu José Murilo de Carvalho, para dar força a sua obra, o que abriu espaço para o debate em sala.
Por último, o grupo ressaltou as influências sofridas pelo povo carioca e pelo próprio autor, chegando, enfim, a discussão central do livro, acerca da idéia de República e cidadãos bestializados, em que se constatou a postura de José Murilo, ao concluir que o povo carioca não era, necessariamente, bestializado, mas sim um povo “bilontra”, em sua maioria, ou seja, um povo esperto, zombeteiro mas, apático à política. Portanto, concluímos que a equipe cumpriu com extrema desenvoltura a apresentação e o debate por eles guiados, conseguindo expor de maneira clara e precisa os capítulos que lhes couberam.
No que se refere à avaliação, ela foi realizada tendo como suporte os critérios estabelecidos em sala de aula. Dito isto, passemos a análise:
1. Coerência - entendemos que a resenha foi escrita de forma clara e coesa, não tendo sido identificados grandes erros que prejudicassem a compreensão do texto. Por esta razão, concordamos em atribuir 2,0 pontos para este item.
2. Objetividade – julgamos que este foi o ponto alto do trabalho do grupo, considerando que existia uma grande quantidade de informação nas mais de 70 páginas a serem resenhadas pela equipe. O texto foi extremamente informativo, portanto, não seria justo pontuar este critério de outra forma: 2,0.
3. Posicionamento Crítico – foi a maior deficiência da resenha, pois o grupo não apresentou questionamentos ao texto de José Murilo de Carvalho. Apesar disso, durante a apresentação, e com auxílio das intervenções da Professora Isabel Guillen, foi possível superar parte desta lacuna, o que nos leva a atribuir 1,0 ao quesito.
4. Debate Historiográfico – A partir de nossa leitura do texto tornou-se possível identificar que o próprio José Murilo de Carvalho não dialogou com historiografia a respeito da temática da Revolta da Vacina, pelo contrário, ele assinala a ausência de fontes sobre a Revolta, fato que o leva a trabalhar com os relatos dos contemporâneos a este processo histórico, tais como Aristides Lobo, Sílvio Romero, Raul Pompéia, dentre outros, que foram bem colocados pelo grupo, na resenha. No capítulo seguinte, o autor trabalha conceitos de Max Weber, bem como de Richard Morse, para consubstanciar sua análise sobre a influência da cidade sobre a política, questão que também foi abordada pelo grupo. Dessa forma, chegamos à conclusão que o grupo dialogou com as fontes utilizadas pelo autor, portanto, pareceu-nos evidente que o grupo deve receber 1,5 por ter realizado essa tarefa.
5. ABNT – A resenha a qual nos referimos não realizou muitas citações diretas do texto base, quando as fez colocou-as entre aspas, mas não colocou a referência bibliográfica sob forma de nota de fim, conforme foi estabelecido na proposta dessa avaliação. Por esta razão, decidimos atribuir a este item apenas 1,0 ponto.
Parabenizamos o grupo pela resenha construída, e acreditamos que os eventuais “deslizes” cometidos não arranham a qualidade do trabalho realizado e apresentado. Considerando a análise realizada, o grupo atingiu a nota final 7,5.

sábado, 3 de abril de 2010

Comentários e avaliação crítica sobre a Resenha dos capítulos II e III do Livro “Os Bestializados” de José Murilo de Carvalho.

Carla Mendonça

Deuzuwilma Galvão
Alisson Carlos

Primeiramente parabenizamos o grupo pelo esforço e dedicação na elaboração da resenha, o que veio a contribuir com o estudo do livro em questão.

Levando em consideração o primeiro critério de avaliação, coerência discursiva, diríamos que o grupo deixou a desejar no que se refere à linguagem, apresentando alguns erros de concordância verbal e nominal. Em alguns trechos observamos entraves na conclusão das idéias, isso ocorreu por conta da má estruturação dos períodos, pois as orações ficaram desconexas deixando dúvidas na relação entre o que é dito em cada uma delas, ou seja, tem certa carência de coesão textual. Um bom exemplo disso está na frase “Essas mudanças referem-se à mentalidade coletiva.” O grupo não expõe de maneira objetiva que mudanças são essas. Ainda no que se refere a esse critério encontramos alguns erros ortográficos, a exemplo da palavra “Republicai” e a supressão de algumas vírgulas. (critério 1 – nota 1,0)

Com relação ao segundo critério – objetividade – o grupo apresentou a maioria das idéias do autor, muito embora algumas vezes pareçam contradizê-lo sem intenção, por exemplo, não achamos apropriado falar em “mentalidade coletiva”, como no segundo parágrafo, já que os ideais europeus afetaram alguns grupos da sociedade, e mentalidade coletiva se refere a todos aqueles que compõem a população. Também não julgamos que José Murilo tenha falado em Revolução das Classes Populares, apenas de motins, quebra-quebras, e principalmente de greve geral, como forma de participação política. Muito embora houvesse setores do operariado que se organizaram no início da República, todavia não tinham intenção de provocar mudanças estruturais profundas, mesmo por que já acreditavam tê-las feito no momento da proclamação.

Outro ponto ainda é a não conclusão ou insuficiente elucidação de conceitos, como é o caso de ‘estadania’ que é a participação política que se dá de dentro do estado, ou seja, participar das decisões, mas não necessariamente por meio do sufrágio. Acreditamos que também seria interessante trazer questionamentos acerca dos conceitos de “CIDADANIA E PÁTRIA”, presentes nas páginas 60 e 61, onde o autor despende alguns parágrafos para os vocábulos. (critério 2 – nota 1,5)

No terceiro critério – Posicionamento do grupo – não percebemos postura crítica por parte do grupo, nem favorável, nem contrária a José Murilo de Carvalho, se houve, não foi de forma clara. Vale salientar ainda que o grupo não explanou adequadamente o conteúdo do texto em sala de aula. Todavia, consideramos o questionamento que fizeram no que diz respeito à “problematização” da questão racial no seguinte trecho: “Observamos que o autor aqui não problematiza a questão racial e/ou de etnicidade. Releva a questão dos estrangeiros, mas não se refere aos negros e sua integração na cidadania.” Consideramos válido esse questionamento, mas lembramos que, ao mencionar o posicionamento dos intelectuais da época a respeito do conceito de povo, o autor nos diz que os negros e mestiços eram vistos como inferiores, a ‘canalha’, a ‘escuma social’, observamos isso na página 72 de Os Bestializados: “De uma afirmação inicial de apatia, de inexistência de povo, passa-se então para outra, que afirma a presença de elementos politicamente ativos, mas que não se enquadram no conceito de povo que os observadores tinham em vista. Não eram cidadãos. Era a “mob” ou “dregs” (“escória”) para o representante inglês; a “foule” para o Frances; a “canalha”, a “escuma social” para o português, quando não eram simplesmente bandos de negros e mestiços.” Ao tratarem da questão do envolvimento desses indivíduos em manifestações populares. (critério 3 – nota 1,0)

No quarto critério - Debate com a historiografia - O grupo citou alguns autores em seu texto, Basbaun, por exemplo, é confrontado com José Murilo quanto à questão da importância do pensamento positivista no estado, numa comparação muito válida. Em sala foram citadas Martha Abreu e Ângela Gomes em A nova “Velha” República: um pouco de história e historiografia, mas a relação com esse texto não ficou muito clara. Também foram consultadas outras bibliografias para reforçar as idéias do autor de Os Bestializados. (critério 4 – nota 1,5)

No quinto critério – Referência às normas da ABNT - O grupo seguiu corretamente as regras da ABNT no que se refere às notas e citações bibliográficas, no entanto, a associação recomenda usar espaçamento 1,5. Todavia, não achamos que o grupo deveria ser penalizado quanto a isso. (critério 5 – nota 2,0)

Com base no que foi exposto, decidimos atribuir à nota 7,0 ao grupo, pois entendemos que o trabalho cumpriu quase todas as exigências estabelecidas.

Capoeiras

Pessoal, achei um pequeno artigo na Revista de História da Biblioteca Nacional (ano 5, n° 53, fevereiro de 2010) na seção Perspectiva que mostra algumas ilustrações dos capoeiras na revista Kosmos, no início do século XX. Infelizmente, o artigo não é disponibilizado integralmente no site, mas eu possuo o exemplar da revista. Caso alguém tenha interesse, estou à disposição.
De qualquer forma segue o link: http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=2893

Resenha dos capítulos IV, V e Conclusão do Livro Os Bestializados - CARVALHO, José Murilo.

CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. Capítulos IV, V e Conclusão.

.

Juliana Pinho

Kallyna Helena Marcolino

Luiz Felipe Batista Genu

Nathalia Bezerra Soares de Melo

Rafael de Andrade

.

No terceiro capítulo do livro “Os Bestializados”, José Murilo de Carvalho chegou à conclusão de que a população do Rio de Janeiro poderia ser considerada, no geral, como uma população de cidadãos inativos, dada as circunstâncias conflituosas no exercício desta cidadania. Ele justifica sua observação apontando, por exemplo, o fato de que apenas 20% da população carioca tinha direito ao voto, e quase nenhuma parte o exercia. Porém, ao contrário do que muitos pensam, estes não eram cidadãos alienados; eram, ao contrário, atentos a qualquer ação por parte do governo que viesse a lhes afetar a vida. E, defende o autor, é justamente o fato de ter alguns dos seus pressupostos “direitos invioláveis” ameaçados que faz com que ecloda essa revolta, a Revolta da Vacina.

O objetivo do quarto capítulo, chamado “Cidadãos ativos: A Revolta da Vacina”, é entender a concepção que tem a população carioca, à época da primeira República, dos direitos e deveres na relação do indivíduo com o Estado. José Murilo de Carvalho usa o estudo da revolta popular causada pela lei da obrigatoriedade da vacina contra a varíola, em 1904, para reavaliar o tradicional conceito de cidadania brasileira inativa.

O capítulo começa com uma breve introdução, na qual o autor expõe as mudanças decorrentes da transição do governo de Campos Sales para o de Rodrigues Alves, destacando a recuperação econômica e a interferência das obras de reforma urbana e sanitária, lideradas respectivamente por Pereira Passos e Oswaldo Cruz, na vida da população da capital. As reformas sanitárias, em particular, tinham caráter violento, visto que os agentes do governo podiam invadir qualquer residência e mesmo interditá-la caso julgassem necessário, mas não deviam explicações ao dono. A insatisfação popular parecia ser geral, visto que as equipes sanitárias precisaram mesmo de acompanhamento policial para realizar suas visitas. Após demonstrar o impacto do governo do novo presidente, o capítulo se divide em três tópicos, nos quais o autor procura esclarecer o que foi a revolta, quem eram os insurgentes e quais suas motivações.

No tópico “A Revolta”, o autor faz uma descrição detalhada dos acontecimentos: as tentativas do governo de fazer valer a obrigatoriedade da vacinação, o início da oposição a esse projeto já no senado e na câmara, a campanha contra a aprovação desencadeada em jornais, panfletos e em organizações de categorias como a Centro das Classes Operárias, até por fim o desenrolar da revolta em si, sua escalada até a violência e a ação do governo contra os revoltosos. A trajetória da revolta é interessante para o estudo, pois ela começa com a repressão de manifestações públicas nas ruas e em praças e termina com verdadeiros combates entre focos de resistência, com barricadas e lutas entre populares e soldados.

O próximo tópico, “Os Revoltosos”, é dedicado a descobrir qual a identidade dos insurgentes. Inicialmente, ele trata da dificuldade de obter fontes confiáveis sobre o assunto devido ao fato de no Brasil, na época, apenas os líderes das revoltas eram processados, enquanto a maior parte dos revoltosos detidos era simplesmente desterrada, sem sofrer processo. Resta então ao Historiador buscar informações em fontes como jornais, revistas e relatos de testemunhas oculares, destacando o cuidado necessário ao utilizar essas fontes devido à parcialidade de suas interpretações dos revoltosos. O autor chama a atenção, neste tipo de fonte, para duas tendências distintas de interpretação dos revoltosos: primeiro, temos a dos simpáticos à revolta, focada na legitimação da ação do povo contra o governo como fenômeno político. Os partidários desta buscam construir uma imagem de coesão de interesses entre os revoltosos, identificando a revolta como a voz do povo contra a tirania do governo: é uma visão geralmente romantizada. Por outro lado, há os relatos dos que não tomaram parte na revolta, e que eram a favor do governo. Estes viam os envolvidos na revolta como ignorantes, manipulados por agitadores políticos; alguns mesmo chegavam a afirmar, categoricamente, que não havia o que consideravam como “povo” entre os revoltosos; são visões de intelectuais respeitados na época, como Rui Barbosa e Olavo Bilac, muito afastados da realidade das ruas. A pesquisa faz uso também do relatório do chefe da polícia da época e os dados sobre os mortos e feridos.

O papel dos políticos de oposição ao governo foi particularmente relevante. Utilizando-se de jornais, panfletos, abaixo assinados e comícios, misturando criticas e argumentos políticos com apelo à moral popular, e atacando a vacinação tanto em sua eficiência e hipotética nocividade à saúde, quanto em sua aplicação compulsória, o que rendeu ao governo a alcunha de “despotismo sanitário”, a oposição pode ser considerada o mais incisivo dos setores revolucionários.

Por outro lado, com base sobretudo no índice de mortos, José Murilo de Carvalho vê entre os operários a classe de maior participação na revolta. Apesar das divergências internas dentro do movimento operário e do conflito de interesses ente os operários do Centro das Classes Operárias, mais ligado ao governo, e os operários de tendência mais anarquista, eles permaneceram mais ou menos coesos durante a revolta, e José Murilo de Carvalho defende que foi o Centro o grande responsável por traduzir o movimento de oposição dos jornais para as ruas.

Por fim chegamos a conclusão de que a composição da multidão foi diversificada durante o desenrolar da revolta. De início compreendia de operários, comerciantes e estudantes a militares e pivetes; depois de fracassada a tentativa de golpe dos militares, contudo, o comando da revolta passou aos operários de grandes empresas e as chamadas “classes perigosas”, isto é, criminosos, capoeiras, e outros personagens à margem social. Essa fragmentação da revolta, na opinião do autor, reflete a fragmentação da própria sociedade carioca da época.

No terceiro e último tópico do capítulo, são discutidos possíveis motivos da ação dos revoltosos. Primeiramente o autor aponta a intenção da ala florianista dos militares, liderada pelo tenente-coronel Lauro Sodré, de tomar o governo. Para o sucesso de um possível golpe, contudo, precisavam legitimá-lo; para tanto, era preciso mobilizar o povo contra governo, à exemplo da instalação da república no 15 de novembro. A polêmica em torno da vacina mostrou-se de forte apelo à sensibilidade popular, muito mais do que a intensa propaganda política de descrédito ao governo oligárquico da república, e os florianistas souberam, com habilidade, utilizar-se dela; o autor conclui, portanto, que não se pode atribuir a população uma motivação verdadeiramente política, de intervenção na república.

Esclarecida a motivação dos militares, o autor desconstrói ainda duas outras hipóteses populares sobre qual seria o real motivo da revolta, como a de que esta teria sido o resultado de insatisfação econômica, ou da irritação causada pela intensa reforma urbana. Estas hipóteses são refutadas pelo autor através da análise de dados simples da época, como taxas de crescimento, comparação entre mapa das reformas e do mapa da revolta, e jornais da época. Conclui, por fim, que a explicação da indignação moral, apesar de parecer muito simples, é a que mais adequadamente poderia ter unido alas de interesses tão diferentes num único movimento de rebelião. A idéia do lar violado por agentes do governo, com poder para interditar a casa, ou pior ainda, ofender a honra da família, e de obrigá-la a tomar uma vacina a qual diversos políticos defendiam ser mais maléfica que benéfica à saúde, era por demais intolerável à população.

A idéia final deste capitulo é, portanto, a de uma população descontente com o governo pelas mais variadas razões. A raiva contra a vacina teria sido um agente de coesão, um estopim que uniu estes diversos grupos de interesse numa única ação de protesto, isto é, nas palavras do autor, numa “revolta fragmentada de uma sociedade fragmentada”, para, segundo um capoeira que dela participara, “mostrar ao governo que ele não põe o pé no pescoço do povo”. Certamente, esta não é a resposta que se espera do povo bestializado de Aristides Lobo; esse “cidadão inativo” ao mesmo tempo revelava-se de grande iniciativa e de decisão em assuntos, em ocasiões e em métodos que os reformistas julgavam equivocados. Seria essa população realmente bestializada, ou bilontra? Esta é a questão abordada por José Murilo de Carvalho no capítulo final do seu livro.

A afirmação de Aristides Lobo é acampada por observadores estrangeiros, nacionais e pela própria liderança radical do movimento operário, de tendências anarquistas, que se queixava da apatia dos trabalhadores e da tendência à “carnavalização” das demonstrações operárias. Portanto, a idéia de cidadão ativo não se encaixava no modelo e na expectativa dos reformistas, quaisquer que fossem as suas origens. Este cidadão de fato não existia. Existia, contudo, um outro tipo de povo, que se integrava à vida cívica por outros meios.

Durante o império, surgiram na cidade diversas festas e organizações de cunho não político. Havia um grande peso da religião no cotidiano da população e ainda na virada do século eram famosas a festa da Penha e a festa da Glória. As festas de entrudo e carnaval eram bastante populares na cidade. Nota-se que a as associações operárias também se mobilizavam para o carnaval, para o desespero dos anarquistas.

Segundo José Murilo de Carvalho, o espírito associativo se manifestava principalmente nas sociedades religiosas e de auxilio mútuo. Através de dados levantados pelo autor, é possível perceber que em 1912 existiam 438 associações de auxilio mútuo, compreendendo aproximadamente 50% da população maior de 21 anos. Essas associações, que eram baseadas em grupos de pertencimento, vão ao longo do tempo adquirindo uma conotação civil e mesmo política, mas de modo geral não eram colocadas demandas, mas sim, estabelecido limites: era importante a defesa de valores e direitos considerados acima do poder do Estado. As queixas não se revelavam como oposição ao governo, e entre a população havia uma idéia de até onde ia o domínio legítimo da ação deste. Segundo o autor, a população tem uma visão “antes de súdito que de cidadão, de quem se coloca como objeto da ação do estado e não de quem se julga no direito de a influenciar”

A explicação para este comportamento político do povo carioca está no contraste entre a indiferença à participação política e o comportamento participativo em outras esferas sociais.

A partir dos estudos de Max Weber sobre a cidade ocidental, passando pela distinção das cidades do norte e do sul da Europa, a reforma protestante e o desenvolvimento do capitalismo moderno, o autor vai fazer uma relação entre o povo brasileiro de formação comunária (influência Ibérica), contrastando com os anglos-saxões de formação individualista. Segundo Albert Sales, a consciência da individualidade, constituía a base da capacidade associativa. Silvio Romero vai escrever depois que no Brasil (e nas culturas ibéricas em geral) predominava o clã, a família, o grupo de trabalho, ou mesmo o Estado e que em termos coletivos, o resultado era a falta de organização, de solidariedade mais ampla e de uma consciência coletiva. Mesmo assim, a cultura ibérica por si só não explicaria o Rio de Janeiro, tendo em vista que outras cidades da América latina e do Brasil apresentavam características bastante distintas.

A Abolição e a República tentaram introduzir, ainda que a força, elementos da tradição liberal individualista na sociedade brasileira imperial; Ao longo de toda a sua duração, estas duas tradições antagônicas estarão em conflito, e o resultado, segundo o autor, não é a vitória de uma delas, mas um sim “novo híbrido”.

O autor ainda vai analisar uma forma de reação da cidade para com o Estado: a aproximação entre a política e os que ficam à margem da sociedade, isto é, os “elementos de desordem”, traduzido no emprego de capoeiras e capangas no processo eleitoral. Outra forma de aproximação ocorria também nas irmandades religiosas e de auxílio mútuo. A população construía e transformava manifestações populares em ocasiões de auto-reconhecimento, como nas festas; para o autor, o que marcava e continua a marca o Rio é a “carnavalização” do poder e das relações sociais.

José Murilo de Carvalho afirma que o Rio de Janeiro foi influenciado, mais do que qualquer outra cidade brasileira, pelas “forças contraditórias de ordem e de desordem”, e que o resultado foi o surgimento de uma população com mecanismos únicos de integração. Ainda que a afirmação do autor deva ser discutida, essa forma de diálogo entre a população e o Estado pode ser percebida ao analisarmos revistas da época, como O Tribofe e O Bilontra, pois elas nos revelam o perfil “esperto”, “malandro” e gozador dos seus leitores. Coexistindo com o estado, reconhecendo-o como legitimo e necessário, mas nunca se identificando com ele: o povo aprendia a conviver com o governo e as autoridades, e estas também aprendiam a conviver com a desordem. Diante deste quadro, as leis e hierarquias se desmoralizavam. A falha dos intelectuais da época (e dos intelectuais posteriores também) foi não perceber essa expressão de consciência política do povo, e foi, segundo o autor, a tentativa de reformar a cidade seguindo um modelo europeu o motivo do desequilíbrio entre as relações sociais de poder que levou a população a uma violenta reação.

A conclusão do autor é, afinal, a de que não havia no Rio de Janeiro daquela época um cenário adequado para o florescimento do tipo de cidadania necessária ao modelo republicano europeu, isto é, a cidadania política. A própria republica funcionava sob um sistema que excluía, legalmente e ilegalmente, a participação popular. O povo carioca, entretanto, não era um povo que ouvia obediente: excluídos da vida política, faziam suas próprias “repúblicas”, segundo expressão do autor. Eram os cortiços, as festas, as manifestações sociais como o futebol... e apesar de decorridos tantos anos desde a revolta da vacina, a participação do povo, não apenas carioca, mas brasileiro na vida política do país continua insatisfatória. Por fim, José Murilo de Carvalho se pergunta se já não é tempo de desistir de aplicar um modelo político completamente alienado à nossa sociedade, e buscar, ao contrário, a construção de uma cidadania efetivamente brasileira.