sábado, 3 de abril de 2010

Resenha dos capítulos IV, V e Conclusão do Livro Os Bestializados - CARVALHO, José Murilo.

CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. Capítulos IV, V e Conclusão.

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Juliana Pinho

Kallyna Helena Marcolino

Luiz Felipe Batista Genu

Nathalia Bezerra Soares de Melo

Rafael de Andrade

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No terceiro capítulo do livro “Os Bestializados”, José Murilo de Carvalho chegou à conclusão de que a população do Rio de Janeiro poderia ser considerada, no geral, como uma população de cidadãos inativos, dada as circunstâncias conflituosas no exercício desta cidadania. Ele justifica sua observação apontando, por exemplo, o fato de que apenas 20% da população carioca tinha direito ao voto, e quase nenhuma parte o exercia. Porém, ao contrário do que muitos pensam, estes não eram cidadãos alienados; eram, ao contrário, atentos a qualquer ação por parte do governo que viesse a lhes afetar a vida. E, defende o autor, é justamente o fato de ter alguns dos seus pressupostos “direitos invioláveis” ameaçados que faz com que ecloda essa revolta, a Revolta da Vacina.

O objetivo do quarto capítulo, chamado “Cidadãos ativos: A Revolta da Vacina”, é entender a concepção que tem a população carioca, à época da primeira República, dos direitos e deveres na relação do indivíduo com o Estado. José Murilo de Carvalho usa o estudo da revolta popular causada pela lei da obrigatoriedade da vacina contra a varíola, em 1904, para reavaliar o tradicional conceito de cidadania brasileira inativa.

O capítulo começa com uma breve introdução, na qual o autor expõe as mudanças decorrentes da transição do governo de Campos Sales para o de Rodrigues Alves, destacando a recuperação econômica e a interferência das obras de reforma urbana e sanitária, lideradas respectivamente por Pereira Passos e Oswaldo Cruz, na vida da população da capital. As reformas sanitárias, em particular, tinham caráter violento, visto que os agentes do governo podiam invadir qualquer residência e mesmo interditá-la caso julgassem necessário, mas não deviam explicações ao dono. A insatisfação popular parecia ser geral, visto que as equipes sanitárias precisaram mesmo de acompanhamento policial para realizar suas visitas. Após demonstrar o impacto do governo do novo presidente, o capítulo se divide em três tópicos, nos quais o autor procura esclarecer o que foi a revolta, quem eram os insurgentes e quais suas motivações.

No tópico “A Revolta”, o autor faz uma descrição detalhada dos acontecimentos: as tentativas do governo de fazer valer a obrigatoriedade da vacinação, o início da oposição a esse projeto já no senado e na câmara, a campanha contra a aprovação desencadeada em jornais, panfletos e em organizações de categorias como a Centro das Classes Operárias, até por fim o desenrolar da revolta em si, sua escalada até a violência e a ação do governo contra os revoltosos. A trajetória da revolta é interessante para o estudo, pois ela começa com a repressão de manifestações públicas nas ruas e em praças e termina com verdadeiros combates entre focos de resistência, com barricadas e lutas entre populares e soldados.

O próximo tópico, “Os Revoltosos”, é dedicado a descobrir qual a identidade dos insurgentes. Inicialmente, ele trata da dificuldade de obter fontes confiáveis sobre o assunto devido ao fato de no Brasil, na época, apenas os líderes das revoltas eram processados, enquanto a maior parte dos revoltosos detidos era simplesmente desterrada, sem sofrer processo. Resta então ao Historiador buscar informações em fontes como jornais, revistas e relatos de testemunhas oculares, destacando o cuidado necessário ao utilizar essas fontes devido à parcialidade de suas interpretações dos revoltosos. O autor chama a atenção, neste tipo de fonte, para duas tendências distintas de interpretação dos revoltosos: primeiro, temos a dos simpáticos à revolta, focada na legitimação da ação do povo contra o governo como fenômeno político. Os partidários desta buscam construir uma imagem de coesão de interesses entre os revoltosos, identificando a revolta como a voz do povo contra a tirania do governo: é uma visão geralmente romantizada. Por outro lado, há os relatos dos que não tomaram parte na revolta, e que eram a favor do governo. Estes viam os envolvidos na revolta como ignorantes, manipulados por agitadores políticos; alguns mesmo chegavam a afirmar, categoricamente, que não havia o que consideravam como “povo” entre os revoltosos; são visões de intelectuais respeitados na época, como Rui Barbosa e Olavo Bilac, muito afastados da realidade das ruas. A pesquisa faz uso também do relatório do chefe da polícia da época e os dados sobre os mortos e feridos.

O papel dos políticos de oposição ao governo foi particularmente relevante. Utilizando-se de jornais, panfletos, abaixo assinados e comícios, misturando criticas e argumentos políticos com apelo à moral popular, e atacando a vacinação tanto em sua eficiência e hipotética nocividade à saúde, quanto em sua aplicação compulsória, o que rendeu ao governo a alcunha de “despotismo sanitário”, a oposição pode ser considerada o mais incisivo dos setores revolucionários.

Por outro lado, com base sobretudo no índice de mortos, José Murilo de Carvalho vê entre os operários a classe de maior participação na revolta. Apesar das divergências internas dentro do movimento operário e do conflito de interesses ente os operários do Centro das Classes Operárias, mais ligado ao governo, e os operários de tendência mais anarquista, eles permaneceram mais ou menos coesos durante a revolta, e José Murilo de Carvalho defende que foi o Centro o grande responsável por traduzir o movimento de oposição dos jornais para as ruas.

Por fim chegamos a conclusão de que a composição da multidão foi diversificada durante o desenrolar da revolta. De início compreendia de operários, comerciantes e estudantes a militares e pivetes; depois de fracassada a tentativa de golpe dos militares, contudo, o comando da revolta passou aos operários de grandes empresas e as chamadas “classes perigosas”, isto é, criminosos, capoeiras, e outros personagens à margem social. Essa fragmentação da revolta, na opinião do autor, reflete a fragmentação da própria sociedade carioca da época.

No terceiro e último tópico do capítulo, são discutidos possíveis motivos da ação dos revoltosos. Primeiramente o autor aponta a intenção da ala florianista dos militares, liderada pelo tenente-coronel Lauro Sodré, de tomar o governo. Para o sucesso de um possível golpe, contudo, precisavam legitimá-lo; para tanto, era preciso mobilizar o povo contra governo, à exemplo da instalação da república no 15 de novembro. A polêmica em torno da vacina mostrou-se de forte apelo à sensibilidade popular, muito mais do que a intensa propaganda política de descrédito ao governo oligárquico da república, e os florianistas souberam, com habilidade, utilizar-se dela; o autor conclui, portanto, que não se pode atribuir a população uma motivação verdadeiramente política, de intervenção na república.

Esclarecida a motivação dos militares, o autor desconstrói ainda duas outras hipóteses populares sobre qual seria o real motivo da revolta, como a de que esta teria sido o resultado de insatisfação econômica, ou da irritação causada pela intensa reforma urbana. Estas hipóteses são refutadas pelo autor através da análise de dados simples da época, como taxas de crescimento, comparação entre mapa das reformas e do mapa da revolta, e jornais da época. Conclui, por fim, que a explicação da indignação moral, apesar de parecer muito simples, é a que mais adequadamente poderia ter unido alas de interesses tão diferentes num único movimento de rebelião. A idéia do lar violado por agentes do governo, com poder para interditar a casa, ou pior ainda, ofender a honra da família, e de obrigá-la a tomar uma vacina a qual diversos políticos defendiam ser mais maléfica que benéfica à saúde, era por demais intolerável à população.

A idéia final deste capitulo é, portanto, a de uma população descontente com o governo pelas mais variadas razões. A raiva contra a vacina teria sido um agente de coesão, um estopim que uniu estes diversos grupos de interesse numa única ação de protesto, isto é, nas palavras do autor, numa “revolta fragmentada de uma sociedade fragmentada”, para, segundo um capoeira que dela participara, “mostrar ao governo que ele não põe o pé no pescoço do povo”. Certamente, esta não é a resposta que se espera do povo bestializado de Aristides Lobo; esse “cidadão inativo” ao mesmo tempo revelava-se de grande iniciativa e de decisão em assuntos, em ocasiões e em métodos que os reformistas julgavam equivocados. Seria essa população realmente bestializada, ou bilontra? Esta é a questão abordada por José Murilo de Carvalho no capítulo final do seu livro.

A afirmação de Aristides Lobo é acampada por observadores estrangeiros, nacionais e pela própria liderança radical do movimento operário, de tendências anarquistas, que se queixava da apatia dos trabalhadores e da tendência à “carnavalização” das demonstrações operárias. Portanto, a idéia de cidadão ativo não se encaixava no modelo e na expectativa dos reformistas, quaisquer que fossem as suas origens. Este cidadão de fato não existia. Existia, contudo, um outro tipo de povo, que se integrava à vida cívica por outros meios.

Durante o império, surgiram na cidade diversas festas e organizações de cunho não político. Havia um grande peso da religião no cotidiano da população e ainda na virada do século eram famosas a festa da Penha e a festa da Glória. As festas de entrudo e carnaval eram bastante populares na cidade. Nota-se que a as associações operárias também se mobilizavam para o carnaval, para o desespero dos anarquistas.

Segundo José Murilo de Carvalho, o espírito associativo se manifestava principalmente nas sociedades religiosas e de auxilio mútuo. Através de dados levantados pelo autor, é possível perceber que em 1912 existiam 438 associações de auxilio mútuo, compreendendo aproximadamente 50% da população maior de 21 anos. Essas associações, que eram baseadas em grupos de pertencimento, vão ao longo do tempo adquirindo uma conotação civil e mesmo política, mas de modo geral não eram colocadas demandas, mas sim, estabelecido limites: era importante a defesa de valores e direitos considerados acima do poder do Estado. As queixas não se revelavam como oposição ao governo, e entre a população havia uma idéia de até onde ia o domínio legítimo da ação deste. Segundo o autor, a população tem uma visão “antes de súdito que de cidadão, de quem se coloca como objeto da ação do estado e não de quem se julga no direito de a influenciar”

A explicação para este comportamento político do povo carioca está no contraste entre a indiferença à participação política e o comportamento participativo em outras esferas sociais.

A partir dos estudos de Max Weber sobre a cidade ocidental, passando pela distinção das cidades do norte e do sul da Europa, a reforma protestante e o desenvolvimento do capitalismo moderno, o autor vai fazer uma relação entre o povo brasileiro de formação comunária (influência Ibérica), contrastando com os anglos-saxões de formação individualista. Segundo Albert Sales, a consciência da individualidade, constituía a base da capacidade associativa. Silvio Romero vai escrever depois que no Brasil (e nas culturas ibéricas em geral) predominava o clã, a família, o grupo de trabalho, ou mesmo o Estado e que em termos coletivos, o resultado era a falta de organização, de solidariedade mais ampla e de uma consciência coletiva. Mesmo assim, a cultura ibérica por si só não explicaria o Rio de Janeiro, tendo em vista que outras cidades da América latina e do Brasil apresentavam características bastante distintas.

A Abolição e a República tentaram introduzir, ainda que a força, elementos da tradição liberal individualista na sociedade brasileira imperial; Ao longo de toda a sua duração, estas duas tradições antagônicas estarão em conflito, e o resultado, segundo o autor, não é a vitória de uma delas, mas um sim “novo híbrido”.

O autor ainda vai analisar uma forma de reação da cidade para com o Estado: a aproximação entre a política e os que ficam à margem da sociedade, isto é, os “elementos de desordem”, traduzido no emprego de capoeiras e capangas no processo eleitoral. Outra forma de aproximação ocorria também nas irmandades religiosas e de auxílio mútuo. A população construía e transformava manifestações populares em ocasiões de auto-reconhecimento, como nas festas; para o autor, o que marcava e continua a marca o Rio é a “carnavalização” do poder e das relações sociais.

José Murilo de Carvalho afirma que o Rio de Janeiro foi influenciado, mais do que qualquer outra cidade brasileira, pelas “forças contraditórias de ordem e de desordem”, e que o resultado foi o surgimento de uma população com mecanismos únicos de integração. Ainda que a afirmação do autor deva ser discutida, essa forma de diálogo entre a população e o Estado pode ser percebida ao analisarmos revistas da época, como O Tribofe e O Bilontra, pois elas nos revelam o perfil “esperto”, “malandro” e gozador dos seus leitores. Coexistindo com o estado, reconhecendo-o como legitimo e necessário, mas nunca se identificando com ele: o povo aprendia a conviver com o governo e as autoridades, e estas também aprendiam a conviver com a desordem. Diante deste quadro, as leis e hierarquias se desmoralizavam. A falha dos intelectuais da época (e dos intelectuais posteriores também) foi não perceber essa expressão de consciência política do povo, e foi, segundo o autor, a tentativa de reformar a cidade seguindo um modelo europeu o motivo do desequilíbrio entre as relações sociais de poder que levou a população a uma violenta reação.

A conclusão do autor é, afinal, a de que não havia no Rio de Janeiro daquela época um cenário adequado para o florescimento do tipo de cidadania necessária ao modelo republicano europeu, isto é, a cidadania política. A própria republica funcionava sob um sistema que excluía, legalmente e ilegalmente, a participação popular. O povo carioca, entretanto, não era um povo que ouvia obediente: excluídos da vida política, faziam suas próprias “repúblicas”, segundo expressão do autor. Eram os cortiços, as festas, as manifestações sociais como o futebol... e apesar de decorridos tantos anos desde a revolta da vacina, a participação do povo, não apenas carioca, mas brasileiro na vida política do país continua insatisfatória. Por fim, José Murilo de Carvalho se pergunta se já não é tempo de desistir de aplicar um modelo político completamente alienado à nossa sociedade, e buscar, ao contrário, a construção de uma cidadania efetivamente brasileira.

Um comentário:

  1. Tentei colocar Justificado o texto pra ficar bonitinho e tal,mas não sei porque mesmo assim,pra mim ainda aparece torto.

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