sábado, 1 de maio de 2010

Resenha: GALVÃO, Walnice Nogueira. O Império do Belo Monte: Vida e morte de Canudos.

Resenha: GALVÃO, Walnice Nogueira. O Império do Belo Monte: Vida e morte de Canudos. – São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.

Alisson Pessoa
Carla Mendonça
Deuzuwilma Galvão
Gabriela Lima
Juliana Leite
Wheldson Marques
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Wanilce Nogueira Galvão em seu livro "O Império do Belo Monte" abordará o tema de Canudos, fenômeno que ocorreu no interior do Nordeste brasileiro e que acompanhou as transformações políticas por que passava o Brasil no final do século XIX, a partir da instituição da República. Objeto de análise ainda será a figura do líder religioso do movimento, Antonio Conselheiro, indivíduo que fornecera toda a fundamentação ideológica no decorrer dos acontecimentos, mobilizando um número consideravelmente grande de indivíduos através de suas pregações e obras.
A autora inicia a obra descrevendo a trajetória do empreendimento colonizador, do povoamento do sertão brasileiro – cenário do conflito – e da paisagem sertaneja, mostrando como esses processos tiveram influência na formação do estereótipo do sertanejo (forte, corajoso, ingênuo) e na idéia do sertão como uma terra sem lei, em oposição à cidade litorânea civilizada.
O empreendimento colonizador – no que se refere à plantação de cana-de-açúcar para atender ao mercado europeu – mais as incursões exploratórias (entradas e bandeiras) tiveram um papel crucial no povoamento do interior do país. As terras próximas ao litoral eram utilizadas para produção agrícola devido sua fertilidade e proximidade com os portos. Assim, a criação de gado teve que adentrar pelo interior. Já as entradas e bandeiras tinham como objetivo inicial a escravização indígena e posteriormente a prospecção de minas de metais e pedras preciosas, e para isso tiveram que penetrar um vasto território.
No tópico "A palavra sertão", a autora faz uma breve análise etimológica da palavra sertão numa tentativa de desmitificar a idéia de "secura e infertilidade" da região atribuída por alguns estudiosos ao termo, como é o caso do historiador Robert M. Levine, para quem sertão vem de "desertão" e "implicava imagens de pessoas e lugares atrasados e pouco hospitaleiros" (LEVINE, 1995, p. 41). Galvão mostra que originalmente a referida palavra tinha como significado "mato", depois ampliado para "mato longe". Logo, o significado original não tem nenhuma ligação com o significado pejorativo atual. Walnice irá salientar a vasta diversidade de espécies na fauna e flora sertaneja e até mesmo a existência de bosques e veredas na região como forma de se contrapor ao argumento de sertão como apenas um "desertão".
O sertão e o resto do Brasil, de uma forma geral, foram dominados política e economicamente durante séculos por famílias latifundiárias patriarcais. Essa classe dominante disputava entre si votos dos eleitores, o controle político e até mesmo a posse de terras. A própria família de Conselheiro tornou-se vítima dessa disputa; fato que foi relatado por João Brígido, jornalista e amigo de infância de Conselheiro, em artigos publicados sobre Antonio e sua família. Como se pode verificar, a autora freqüentemente recorre aos artigos de Brígido para falar sobre a vida do Conselheiro.
Antonio Conselheiro nasceu em Quixeramobim e, após a morte de seu pai, contraiu matrimônio. Mudou por algumas vezes de cidade e de emprego. Trabalhou como escrivão de paz, requerente de fórum; cargos que exigiam instrução. Na opinião de Brígido é a partir desse momento que Conselheiro acabou por perder a razão. Segundo o cronista, o pai de Antonio tinha surtos de demência e mesmo o próprio Conselheiro já havia dado sinais de desequilíbrio durante a infância. "A loucura, portanto, já viria da família, e seu veredicto a respeito é que ele se tornou um monomaníaco", diz Walnice (2001, p. 22). A afirmação de loucura, uma monomania, daria margem a interpretações sobre o modo como Conselheiro escolhera viver, sua determinação na fé e a vida regrada na penitência e caridade.
Ao contrário do que se possa imaginar o Conselheiro era um homem bem quisto nos sertões por onde vagava, e, do ponto de vista religioso, a idéia de que teria criado uma seita não é muito justificada. Seus seguidores, a exemplo dos demais sertanejos, praticavam um tipo de catolicismo que elegia pequenas divindades a quem recorriam para resolução de problemas cotidianos, prática muito comum a todas as grandes religiões. Essas pequenas divindades são os santos. Além disso, essas pessoas humildes, desesperançadas em sua vida de miséria e humilhação, costumavam eleger certas personalidades, a quem atribuíam uma capacidade de esclarecimento ou uma fé maiores que a sua própria, guias espirituais. Eram os Beatos e Conselheiro – por vezes até padres ordenados – por que Antonio Maciel não era o único que vagava pelos sertões promovendo festas, batizados e reformas, e bradando seus conselhos para uma legião de fiéis. Embora houvesse muitos desses pregadores pelo sertão, cujos bandos surgiam e desapareciam, Edmundo Moniz, numa postura que lembra a de Walnice, chama a atenção para o movimento do Peregrino, por ser o único que alcançou tanta notoriedade, ele atribuiu isso às promessas de uma vida longe de humilhações e explorações; o povo acorria a esse homem por ver nele a esperança de uma vida mais justa e igualitária (MONIZ, 1982, p. 27). Esse era o perigo que as autoridades viam nele. Levine, por sua vez, sugere atribuir ao messianismo e à penitência a responsabilidade pelo "apelo carismático que suas palavras exerciam sobre grande parte do seu rebanho" (LEVINE, 1995, p. 276). Não é de se espantar que, em condições adversas, as pessoas se apeguem com tanta força à religião e que esta constitua, nas palavras da autora, "uma religião festiva" (GALVÃO, 2001, p. 44). Mas é intrigante perceber todo o simbolismo que sustentava e ligava aquela população e que convergia para a figura de Conselheiro. Galvão fala de um verdadeiro centro de romarias formado em Canudos.
No entanto, essa prática religiosa permeada de crendices e superstições vai ser combatida pela igreja a partir da romanização da religião após o Concilio de Trento na segunda metade do século XIX. São enviados padres como o Ibiapina com o intuito de reeducar os fiéis, mas as suas ações acabam por fazer com que o povo, a exemplo do que ocorreu com o Conselheiro, o idolatre, o que culmina com seu afastamento das funções religiosas. Não ministravam sacramentos posto não serem ordenados, mas suas recomendações eram seguidas à risca, inclusive por integrantes das elites locais, como o Coronel Janjão (João Evangelista) de Juazeiro ou José Leitão, chefe político da região de Santa Luzia, por exemplo. Essas pessoas costumavam assistir o Conselheiro e seu séquito por meio de doações ou apoio durante a guerra e o convidavam, inclusive, para pregar em suas terras na impossibilidade de ir até ele.
Um pequeno jornal em Estância, Sergipe noticia em 1874 o boato a respeito do matricídio e uxoricídio, como justificativa para sua vida penitente, meio pelo qual ele buscaria expiar seus crimes. Essa notícia repercutiu e foi a causa de sua prisão em 1876. Ao chegar a Quixeramobim ficou provado que não pesava contra ele nenhuma acusação. Ataliba Nogueira, citado por Moniz (1982, p. 17), admitia que o único motivo para sua "vida andeja" era a procura de sua mulher e do sedutor que junto com ela tinham-no traído, para puni-los, mas como João Brígido asseverava que ela estivesse esmolando em Sobral após ter sido abandonada pelo amante, ele sabia onde ela estava e não precisava procurá-la pelos sertões. Mas a imagem do matricida e uxoricida de cabelos desgrenhados e camisolão de brim já tinha chegado inclusive à capital do país.
Apesar dos boatos, e de sua postura de antifanatismo, o Vaticano, a priori, tolerava a fama de santo do Conselheiro por que os donativos que arrecadava, em geral, eram revertidos para seus cofres. Sem falar das reformas que promoveu a igrejas e cemitérios em suas andanças. Os fiéis encaravam como penitência carregar pedras na cabeça e "promover a messe" através da construção da Casa de Deus. As autoridades locais, apesar de temerem sua popularidade e poder de convencimento junto à população, também "faziam vista grossa", visando os benefícios obtidos com o restauro de açudes, praças e outras obras públicas com mão-de-obra gratuita: os penitentes. Durval Vieira de Aguiar, chefe do Corpo Policial da Bahia, apesar de no geral considerar Conselheiro um "fanático ignorante", já advertia as autoridades da fidelidade do povo para com ele, dizia que em um enfrentamento haveria muito derramamento de sangue, afinal, além da admiração dos fiéis, contava com toda a questão do compadrio, que consistia numa considerável rede de influência e tinha uma importância fundamental naquele contexto social, fornecendo ainda mais aderência e força à luta em Canudos. Para o povo do sertão o compadre é alguém da família, a quem se devem obrigações e fidelidade, e na região quem não era compadre ou parente do Conselheiro, era um de seus seguidores. As pessoas liquidavam seus pertences e partiam rumo ao arraial deixando tudo o que haviam construído para trás, atendendo ao chamado de parentes e compadres já estabelecidos naquela cidadela.
Mas o que, segundo a historiadora, vai ser o motivo da fixação de Conselheiro na região de Canudos, depois de quase duas décadas de vida errante no sertão, é o ato que promove em várias cidades da Bahia, onde queima tábuas com editais dos novos impostos republicanos, o que resulta na Refrega de Masseté, episódio no qual um contingente de 36 homens é derrotado por ele e seu séquito. Ele justifica que, no caso de sua prisão em 1876, não opôs resistência por reconhecer o poder do Império, mas, no caso da Refrega em 1893 não se renderia a represália da República por não reconhecer seu poder de mando.
O peregrino e seu séquito de fato se estabelecem e, ao que indicam as fontes, passam de uma postura passiva a um comportamento mais agressivo ante as investidas das quais eram alvo. Conselheiro não reconhecia a República nem, portanto, sua lei e, sentindo a iminência de conflitos de maior vulto, ele e seus seguidores organizam-se "como se tivesse soado um toque de recolher" (GALVÃO, 2001, p. 42).
Nas terras em que se assentam os fiéis, próximas a várias estradas, já havia um povoado e nelas se desenvolvem atividades econômicas cujo fim era prover a subsistência dos próprios e que, devido às duras condições, constituem-se de forma rudimentar. Contudo, a autora aponta que entre os seguidores miseráveis havia quem se agregasse à causa com o objetivo de prosperar – caso dos comerciantes – pressentindo o aumento da população.
A partir de fontes como a produção de Euclides da Cunha, Galvão traça o perfil daquela estrutura que era o Belo Monte. Enfatiza a precariedade existente em termos de urbanização e a curiosa visão de um aglomerado de casebres espalhados de forma aleatória onde não existia propriedade privada da terra, indicando ser isto fruto da grande quantidade de pessoas que chegavam para ouvir as pregações de Conselheiro e que lá passavam a viver, também por absorver a causa do peregrino.
A organização social do arraial é outro ponto de interesse da autora. Havia todo um sistema montado e que funcionava de fato, ainda que a seu modo, dado o período e as circunstâncias sobre as quais teria sobrevivido. Dentre as funções desempenhadas em Canudos havia a da Guarda Católica e seus 12 apóstolos, empenhados em proteger Conselheiro. Contava-se ainda com uma espécie de líder militar e um civil. Antonio contava com uma mordoma para a administração da sua residência e à educação das crianças do arraial havia uma professora.
Galvão discorre ainda sobre algumas figuras que tiveram um papel importante na peleja liderada por Conselheiro. Alguns morreriam em batalha, outros abandonariam a causa após a morte do líder e retomariam suas vidas. Houve quem continuasse fiel aos ideais construídos em Canudos. Muitos homens se destacaram por suas habilidades em batalha, ou por suas proezas enquanto aventureiros em busca de prosperidade, ou ainda pela bravura e certeza de conduta, como foi o caso do sineiro Timotinho (GALVÃO, 2001, p. 50). Mas a autora reserva um tópico que apresenta Jesuíno Correia Lima, mascate que fora expulso do arraial e teve seus bens pilhados por conta de seus antecedentes republicanos (ocupara os postos de juiz de paz e de capitão da Guarda Nacional). Ressentido, acabaria por denunciar Conselheiro e o séquito, servindo ainda de instrumento – torna-se o guia – na busca empreendida contra Canudos. Este caso ilustra bem a intolerância e até a aversão a tudo o que tenha ligação com a República, sentimentos nutridos pelo povo de Canudos: os conselheiristas.
Com o decorrer do tempo, a existência de Canudos colocava em alerta tanto a oligarquia local quanto a Igreja Católica, que representavam as duas maiores forças políticas da época. As razões que levaram a oligarquia a temer Canudos foram, principalmente, a escassez da mão de obra, o que poderia ocasionar a desestruturação da propriedade privada, além do medo da invasão de terras pelos conselheiristas. Já a Igreja, na tentativa de reaproximação com o povo através do processo de romanização, viu em Canudos a ameaça de perder seus fiéis para determinados líderes populares carismáticos e do surgimento de novas religiões. Diante dessa situação o governador solicita uma medida da Igreja que, por sua vez, envia dois frades capuchinhos em 1895 em missão de observar a real situação de Canudos. Por diversos dias eles observaram as precárias condições de vida dos peregrinos e constataram que o poder público devia intervir no local. Instalou-se então um clima de tensão entre Canudos e as demais autoridades. O confronto se deu devido a um juiz que proibiu a entrega de materiais para a construção da Igreja Nova. Assim houve a deflagração da guerra.
No ano de 1896 foi enviada a 1º Expedição, que contava com efetivo de 120 homens, a fim de atacar Canudos. Os peregrinos foram avisados e conseguiram surpreender os soldados. Neste combate ocorreu um número alarmante de mortos por parte dos conselheiristas, seguidas de um incêndio provocado pelo exército. Na 2ª Expedição as forças do exército já contavam com 600 homens bem armados, com bastante munição e até canhões. Os conselheiristas ainda tiveram tempo de se preparar. Receberam as tropas com fogo de piquetes e, apesar da desvantagem, conseguiram cercar o exército, que recebeu ordem de retirada. Depois de dois erros sucessivos a 3º Expedição contou com o apoio do Governo Federal e aumentou o seu contingente para 1.300 homens e seis canhões. Após horas de combate o comandante da expedição sai ferido e as tropas começam a debandar, deixando para trás armas, munições e canhões que seriam utilizados pelos conselheiristas durante o combate contra a 4º Expedição. Vale ressaltar que a partir da 3º Expedição o medo da população tomou dimensões maiores. Isso porque era inexplicável que o grupo de peregrinos tenha conseguido "vencer" três tentativas de destruição. Além disso, os jornais noticiavam absurdos sobre Canudos, utilizando-se dos meios de comunicação para a manipulação do povo. Extinguir Canudos era uma arma política. O sensacionalismo dos jornais, agitando a fantasia da restauração monárquica através de Canudos, contribuiu para exaltar o ânimo dos florianistas. Quem se lembraria, nesse momento de comoção nacional, das razões que deram início à guerra contra Canudos? Quem teria suficiente serenidade para reconhecer que Antonio Conselheiro e os seus seguidores estavam se defendendo e não atacando? Resistiria a qualquer análise mais sóbria a suspeita de que os monarquistas estariam tentando restaurar o antigo regime através de uma revolta no sertão baiano? Acusar Canudos de ser um reduto monarquista não era uma hábil manobra para esconder o fracasso das expedições militares anteriores e desviar a opinião pública? Não estariam porventura transformando os agressores em vítimas e os inocentes em culpados? (COSTA, 1990, p. 39). O presidente Prudente de Morais utilizou-se de argumentos alarmantes sobre o perigo da Canudos para montar a 4º Expedição. A tecnologia advinda da Revolução Industrial trouxe para esta batalha o trem, o telégrafo e o jornal. A quantidade de soldados era vertiginosamente maior. Some-se a isso uma estratégia bem elaborada com duas colunas iniciais, mais reforços trazidos por generais experientes, uma brigada de infantaria e 17 canhões puxados a tração animal. A quarta e última expedição contava com o efetivo de cinco generais e um marechal. No decorrer da luta a expedição sofreu graves problemas de abastecimento de víveres, munições e serviço de transporte, quase causando um desastre semelhante aos anteriores. Como a maioria dos soldados era inexperiente, Foram necessários três meses para instruí-los em Queimadas, o que deu tempo para que os canudenses reforçassem suas posições. Esse longo tempo de instrução logo provocou o desânimo nos soldados a entrar na peleja (COSTA, 1990, p. 43).
Apesar da sua superioridade, o exército se deparou em Canudos com táticas de guerrilhas. O exército sentia o confronto demorar mais do que o esperado e praticamente não via o adversário. No combate de 18 de julho uma parte do arraial foi tomada e em 07 de setembro tomou-se a Fazenda Velha. Dessa forma ocorreu a queda dos chefes de Canudos, inclusive Antonio Conselheiro. Em 1º de outubro acontece o ultimato: joga-se querosene e coloca-se fogo no arraial. Mesmo assim há ainda resistência. Em 03 de outubro, Antonio Beatinho, em missão de paz, negocia a rendição de Canudos. Depois do acordo traz cerca de 300 pessoas. Apesar das garantias estabelecidas, foram praticamente todos degolados. Relatos falam em quase 800 pessoas. Canudos resistiu até o dia 05 de outubro quando foram mortos seus últimos quatro sobreviventes. Antonio Conselheiro havia falecido doze dias antes da queda de Canudos, aos 69 anos de idade. Sua sepultura foi violada, seu corpo foi fotografado e sua cabeça enviada para a Faculdade de Medicina de Salvador, para ser estudada, já que se acreditava tratar-se de um louco. Segundo Ataliba Nogueira, na obra "Antonio Conselheiro e Canudos", a conclusão do Dr. Nina Rodrigues foi surpreendente para os que defendiam essa opinião: "o crânio de Antonio Conselheiro não apresenta nenhuma anormalidade que demonstre traços de degenerescência. É, pois, um crânio normal." (NOGUEIRA apud COSTA, 1990, p. 46).
O fim da guerra provocou reações indignadas. Isso porque se viu que Canudos nada tinha a ver com a volta da Monarquia e pelas atrocidades cometidas pelo exército. Chega-se à conclusão, juntamente com um sentimento de culpa generalizado, que a resistência de Canudos tinha apenas motivos religiosos e não políticos.
Após a guerra e a partir de 1909 alguns poucos sobreviventes voltavam e se instalavam de forma precária. Em 1930, com a construção da Transnordestina, alguns trabalhadores foram se instalando no arraial. Deu-se também a construção de um imenso açude, o que implicou no desaparecimento de Canudos. Em 1947 o jornalista Odorico Tavares escreveu uma matéria feita no arraial que despertou o interesse do historiador José Calasans, que fez várias viagens a Canudos para recolher depoimentos. A partir desse período, iniciaram-se novos estudos sobre Canudos, com a investigação de novas linhas. Tudo passou a ser questionado, desde a vida de Antonio Conselheiro até a posição tomada pela Igreja. Foram utilizadas as fontes orais e as reportagens feitas na época, além de relatos dos combatentes e relatórios do governo. Em 1969 foi concluída a barragem; os moradores oravam obrigados a deixar Canudos, fundando assim, às margens do açude de Cocorobói, o povoado de Nova Canudos. Conselheiro passou a ser um ícone de resistência dos oprimidos.
Na análise do que foi realmente a obra de Conselheiro e do que difundiam sobre ele há muitas divergências. Conselheiro tinha um caráter conservador, em nada divergindo da Igreja Católica. Na visão dele, há ricos e pobres, tendo que haver assim o espírito da caridade. O peregrino dava ênfase à propriedade, proibindo o roubo. Qualquer outra manifestação religiosa que não fosse a católica era vista como uma ameaça à Igreja. A única característica que divergia do conservadorismo referia-se à escravidão.
Canudos era relacionado com o sebastianismo, erroneamente utilizado como sinônimo de monarquismo. Nos relatos orais e estudos não é mencionado D. Sebastião; apenas nas poesias populares. Outra característica atribuída a Canudos é a de milenarismo. Tal teoria cai por terra se considerarmos que a comunidade se colocava fora da história. Por fim, o messianismo, esse sim pode ser levado em conta se partirmos da premissa de que constitui um movimento religioso que segue um líder carismático, neste caso, Antonio Conselheiro. Porém este líder jamais se intitulou de "o Messias" e não há registros desta aceitação por parte dos populares. O objetivo dos peregrinos era apenas "salvar a alma" em vida porque o resto do mundo estava condenado. A memória de Canudos após alguns anos foi sendo reavivada, principalmente devido à quantidade de trabalhos sobre o assunto. A Igreja, criando a Pastoral da Terra, passou a dar apoio aos moradores da localidade. Hoje se comenta sobre a semelhança entre o movimento de Canudos e o MST (até mesmo pela questão de assentamento de terras). Porém, as diferenças são bem claras: o objetivo de Canudos era tão somente a salvação da alma. O MST ocupa terras enquanto os peregrinos viviam isolados em Canudos. Por fim, a base dos conselheiristas era a religião, que os unia. Como desfecho, é claro, o esforço feito por essa população frente os desmandos de força política. Uma população pobre que em nome da fé decidiu lutar por uma estrutura social diferente. Ainda hoje o assunto desperta discussões. Uma das versões prestigia o significado histórico do episódio, entendido como uma luta do povo sertanejo contra a opressão, a miséria, o abandono, a politicagem e a intolerância. As interpretações de Euclides da Cunha persistiram durante muito tempo, mas seus conceitos não resistiram a outros argumentos. O jornal de Brasília, verificado através da Coordenação do novo movimento histórico de Canudos (Noventa anos depois... Canudos de novo. Salvador, 1987), em 12 de agosto de 1984, externou: "Canudos não foi um movimento de fanáticos e ignorantes, mas uma resistência coletiva sob a liderança de um homem que já era calejado na defesa dos oprimidos. Conselheiro era um líder popular e carismático que aglutinou o povo na defesa de seus direitos fundamentais de sobrevivência" (apud COSTA, 1990, p. 51).
Compreende-se o fenômeno de Canudos como um fôlego em defesa da salvação da alma, ou como um desejo coletivo por uma vida menos injusta e na qual não houvesse opressão e miséria? Diria que as duas coisas não se contradizem. Numa leitura dos sertanejos naquele contexto – e até na formação de sua auto-imagem – talvez esteja intrínseca a imagem da superação e da constante luta contra a adversidade, entendendo-se que, através da fé, todo o tipo de sofrimento e obstáculo é suportável. Canudos constitui um claro sintoma das desigualdades sociais existentes no Brasil do final do século XIX, mas também um forte símbolo de resistência popular e, devido a isso principalmente, atribui-se sua importância.
REFERÊNCIAS

COSTA, Nicole S. Canudos: Ordem e progresso no sertão. 11ª edição. – São Paulo. Editora Moderna, 1990.

GALVÃO, Walnice Nogueira. O Império do Belo Monte: Vida e morte de Canudos. – São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.

LEVINE, Robert M. O Sertão Prometido: O Massacre de Canudos no Nordeste Brasileiro, 1893 / Roberto M. Levine; tradução Monica Dantas. – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995.

MONIZ, Edmundo. Canudos: A Luta pela Terra. Editora Parma, São Paulo, 1982.

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